Prata e Bronze

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Thanos: Amor e Morte, Peter Sanderson


Essa matéria foi publicada originalmente na Back Issue 9, de Abril de 2005. Peter Sanderson conversa com Starlin sobre Thanos, possivelmente a sua maior criação. Espero que gostem da tradução. 

De todos os personagens criados por Jim Starlin durante suas três décadas nos quadrinhos, qual seria o seu personagem favorito? Você pode tentar adivinhar e dizer que é um dos seus heróis, como Dreadstar e Adam Warlock. Mas e sua preferida, em termos de vilões? Será que ele gosta mais de Thanos que dos outros?

"Ah, claro que sim", responde Starlin. Ele explica: "Você é limitado pelo que o mocinho pode fazer. Por mais estranho que Adam Warlock seja, há certas coisas que ele não faria. Thanos? Bom, não existe nada que Thanos não faça para vencer".

Entre todas as muitas histórias que Starlin escreveu com o seu icônico vilão, a sua favorita é Thanos Quest. "Ele está extremamente implacável ali", diz ele.




Starlin avisa: "Eu não sou uma pessoa má. Não fico andando por aí com uma capa preta ou coisa do gênero". Mas apesar disso, ele acrescenta alegremente, "eu adoro a maldade de Thanos. Eu adoro escrever sobre o mal". E Thanos dá várias oportunidades para isso. Mas, como veremos, há muito mais no vilão de Starlin que apenas vilania.

Separados na Maternidade? 

As primeiras impressões podem ser enganadoras. Os leitores podem supor que Starlin criou Thanos como uma homenagem a outro arqui-vilão de rosto granítico dos anos setenta, Darkseid, de Jack Kirby.

Mas vocês estariam errados. Starlin concebeu Thanos muito antes de Darkseid aparecer nos quadrinhos. "Foi antes de eu ir trabalhar em Nova York, para a Marvel. Eu estava assistindo aulas de psicologia e brincando com personagens", ele diz. Thanos e seu irmão Eros (que mais tarde veio ser conhecido como Starfox) foram inspirados pelos estudos de Starlin dos conceitos de Sigmund Freud sobre o instinto da morte e o desejo sexual. "Eu, na verdade, acho que os desenhos originais de Thanos  predatam o advento dos Novos Deuses, diz Starlin, "porque Kirby estava ainda fazendo isso quando eu estava indo para a Marvel".

"Na verdade, Thanos naqueles sketches parecia muito mais que Metron, de The New Gods do que Darkseid", revela Starlin,  apesar de que Metron não tinha aparecido ainda também. Em parte isso é porque Starlin havia descrito Thanos como alguém "sentado em uma cadeira que nós usamos mais tarde em Silver Surfer", quando o Thanos apareceu por lá décadas depois (Kirby deu a Metron o "Trono Mobius" como meio de transporte). Esse primeiro Thanos também parecia com Metron porque ele era consideravelmente mais esbelto que o Thanos que conhecemos hoje.

Starlin teve a oportunidade de introduzir Thanos no Universo Marvel graças a sua associação com Mike Friedrich, que começou a ser notado porque aparecia sempre nas seções de cartas da década de sessenta e depois se tornou um escritor profissional de quadrinhos. "Nós estávamos dividindo um apartamento em Staten Island na época", diz Starlin. "Em um certo momento ele precisava de uma ideia para um novo número de Iron Man", lembra Starlin, e perguntou a Jim, "'o que você gostaria de fazer?' e eu disse, 'bom, eu tenho esses personagens'. Eu acho que na época Mike estava escrevendo cinco títulos, então ele me deixou fazer aquele em particular. Então eu comecei a desenhar a história. Lembro que Mike rearranjou algumas das páginas iniciais a história, mas foi isso. Ele só foi trabalhar mesmo nela depois que ela estava desenhada e na fase dos diálogos".

 Mas Starlin teve também alguns valiosos conselhos sobre Thanos, vindos do então novo editor-chefe da Marvel, Roy Thomas. "Quando Roy o viu, ele disse 'Deixe ele mais forte!'", diz Starlin. "E ele pareceu mais ameaçador daquela maneira. Então eu deixei ele mais forte ainda na primeira história em Iron Man, e ele foi ficando cada vez maior com o tempo".

Apesar de Starlin ter criado Thanos antes dele ter sequer ouvido falar de Darkseid, a Marvel, ele diz, viu o potencial do personagem como um rival para a criação de Kirby.

"Nós poderíamos atacar os Novos Deuses de Kirby, com o qual eles estavam um tanto aborrecidos na época", diz Starlin. Aparentemente a Marvel ainda não tinha engolido a então recente partida de Kirby para criar os títulos do "Quarto Mundo" na  DC. Mas Starlin não fez perguntas sobre a mágoa da Marvel com a deserção de Kirby. "Eu nunca entrei no assunto com eles porque eu era um grande fã de Kirby e não queria ouvir nada ruim sobre ele."

Então Thanos fez a sua estréia em Iron Man 55, com a data de capa de fevereiro de 1973, junto com seu pai Mentor, seu irmão Eris e seu obcecado nêmese Drax, o Destruidor. Agora, esses outros personagens de Starlin foram inspirados pelos Novos Deuses de Kirby? "De forma alguma", diz Starlin. "O Destruidor, que também foi criado naquela época, foi inspirado em uma tira que eu estava fazendo chamada Dr Weird with the Texas Trio. Eu redesenhei o uniforme do Dr Weird e gostei tanto que dei um jeito de colocá-lo na história do novo grupo de personagens que estava aparecendo pela primeira vez em Iron Man 55".



Mentor, Drax e Eros podem ter papéis similares aos do Pai Celestial, Orion e Lightray, dos Novos Deuses, mas parece que Starlin estava lidando com os mesmos arquétipos que foram trabalhados por Kirby, os dois seguindo caminhos paralelos. Apesar de que com Eros, Starlin diz que ele queria apenas o reverso da medalha de Thanos. "Eu só precisava de um contraste. E com Mentor, bem, eu realmente nunca soube o que eu realmente queria com ele (risos). Ele passou pela série de uma maneira bem canhestra, sendo apenas o chefão".



Sobre Thanos, Starlin continua: "Na verdade, eu fiz questão de que ele fosse diferente. Thanos sempre foi muito mais ativo que Darkseid. Eu fiz que ele se movimentasse, fazendo o trabalho sujo ele mesmo, enquanto Darkseid estava sempre nos bastidores e deixando o trabalho para seus capangas".



Mais ainda, Darkseid e Thanos representam dois tipos muito diferentes de mal. "Eu penso em Darkseid como a encarnação do fascismo". Para Starlin, o mundo de Darkseid, Apokolips, representa "o estado corporativo que se tornou mau" ou até mesmo um campo de concentração em um planeta inteiro, "enquanto que Thanos funciona em um nível muito mais niilista".

Colocando de uma outra forma, Darkseid busca a Equação Anti-Vida, que permitirá que ele controle todos os seres vivos com uma única palavra. Em contraste, Thanos vem repetidamente lutando, não para controlar os seres vivos mas sim para destruí-los. Ele literalmente serve a morte.

Por uma estranha coincidência, Starlin acabou morando em uma área da Cozinha do Inferno em Manhattan perto de um restaurante grego chamado "Thanatos". "Eu já estava fazendo Thanos em Iron Man quando eu me deparei com aquele lugar", diz Starlin. "Eu nunca tinha ido naquela direção antes. Era umas quatro quadras de onde eu viria a morar. E a grafia é diferente, 'Thanatos' e não 'Thanos'"

(Fãs de Sandman, anotem: na mitologia grega Thanatos era o irmão - não a irmã! - de Morfeus, o deus do sono)

Nascimento de um Titã 

Originalmente, Starlin apresentou Mentor, Eros e Thanos como descentes dos titãs dos antigos mitos gregos. Banidos da Terra por Zeus, os titãs se estabeleceram em Titã, a lua de Saturno. Mais tarde, em um período que Starlin não estava trabalhando para a Marvel, essa história foi revisada. Agora os Titãs de Starlin eram descendentes dos Eternos, a raça super-humana criada por Jack Kirby. Starlin aceitou a ideia: "Eu tento não jogar fora as coisas de outros escritores, então eu tive que dar um jeito de incorporar isso. E eu acho que isso não prejudica o mito."

Thanos, o filho mais velho de Mentor (o regente de Titã), nasceu com a "síndrome do Deviante" (uma referência a raça-demônio da série Eternals, de Kirby), que deu a ele uma imagem monstruosa. Isso transformou Thanos em um pária, desprezado pelos outros Titãs. Ele então percebeu que seu irmão mais novo, Eros, seria o herdeiro de Mentor.

Starlin explica: "Eu estava pensando como isso poderia afetar uma pessoa. Você tem uma bela família e você acaba se parecendo um monstrengo. Isso certamente mexeria com você e você nunca se encaixaria no ciclo da vida"

La Belle Dame Sans Merci

Para onde iria Thanos? "Então, o oposto da vida é a morte. Seguindo essa ideia, a suprema obsessão seria ele realmente se apaixonar pela Morte". E no Universo Marvel essa é uma possibilidade literal.

O jovem Thanos encontrou conforto na presença encapuzada de uma figura que acabou sendo a Senhora Morte, a personificação literal da mortalidade no Universo Marvel. Com o tempo ele se apaixonou poer ela e a percebe como uma mulher idealmente linda, cheia de vida. Mas para os outros personagens (e para nós, leitores) a Senhora Morte aparece como um esqueleto envolto em um robe, impassiva, muda e inescrutável.

Esse é, é claro, o supremo romance disfuncional. Ele não pode ser consumado sexualmente. "Thanos é, na maior parte do tempo, um personagem assexuado", Starlin comenta. (Ou seja, para vocês que estão se perguntando, Starlin afirma que Nebula, a pirata espacial que alegava ser a neta de Thanos estava mentindo. "No meu universo, ele nunca teria progênia".)

Starlin também diz que a Senhora Morte pode ser mais uma mãe substituta para Thanos que uma amante. "Uma mãe ou alguém que pune. Há um elemento definitivo de sadomasoquismo no personagem."

Perceba como Thanos se humilha repetidamente perante ela, passivamente buscando a aprovação dessa passiva entidade. "Creio que ela o trata exatamente da maneira oposta que que ele deseja", diz Starlin rindo. "Quando ele a procura, ela o rejeita, e quando ele fala para ela não o perturbar é quando ela mais tem interesse nela".



Então, a obsessão de Thanos como a Senhora Morte é completamente autodestrutiva. "Noventa porcento do que Thanos faz é autodestrutivo", diz Starlin. "Infelizmente há muito dano colateral na sua psique". Na época que Thanos estava cortejando a Morte, esse "dano colateral" significava massacrar milhares, milhões e até mesmo bilhões de seres vivos, buscando um "genocídio cósmico". Existe uma maneira melhor que agradar a sua senhora desdenhosa que fazer tais oferendas a ela? (A propósito, Starlin gosta da versão mais charmosa da Morte feita por Neil Gaiman em Sandman, da DC. "Eu acho que ele teve uma ótima sacada nisso").

Deuses e Monstros

Thanos e a Morte são personagens muito diferentes daquilo que o leitor normalmente associa a um personagem tradicional da Marvel, como Peter Parker, um cara normal que também é um super-herói em Nova York. Thanos é membro de um de uma raça de seres quase divinos. Além disso, ele foi criado para representar um impulso psicológico que o atrai para a Morte. O falecido Mark Gruenwald considerava a Senhora Morte como um dos "seres conceituais", como a Eternidade. E Starlin criou outros personagens assim como o Lorde Caos e o Mestre Ordem, personificações de princípios universais.

Starlin explica que ele foi influenciado por Roger Zelazly e outros escritores de ficção científica dos anos setenta que lidavam com personagens com poderes divinos.



"Eu sempre gostei de figuras míticas. E eu odeio desenhar carros ou cavalos. Então eu tenho a tendência de me afastar da realidade do dia a dia o mais rápido possível sempre que faço uma história. Partindo para uma coisa que é mais abstrata, mais conceitual, sempre me pareceu a melhor maneira de ficar confortável".

Em sua grandeza e ambição para superar Deus, Thanos parece com Satã em Paraíso Perdido, de John Milton. Apesar de Starlin gostar de mostrar Thanos como "mau" ele também diz que "o 'mal' é um termo subjetivo, de qualquer forma. Ele não é como um assassino em série que sempre algum tipo de propósito em mente. Pode ser interpretado como monstruoso, mas em seu universo é a maneira de fazer as coisas. Então, sim, eu acho que Satã em Paraíso Perdido é uma boa comparação, e na verdade ainda mais que Darkseid".

Obrigações com a Morte

Mentor acabou banindo Thanos de Titã após um experimento proibido que acabou matando algumas de suas cobaias. A amargura de Thanos cresceu durante seu exílio de um século e se vingou voltando e massacrando virtualmente toda a população de Titã. Por pura sorte, Mentor e Eros não estavam no planeta no momento, mas a mãe de Thanos, Suj-San, foi morta no ataque. Em seguida, Thanos conquistou Titã. Mas foi expulso daquele mundo pelo implacável Drax, o Destruidor. Drax estava sendo mantido prisioneiro na Terra por Thanos, mas conseguiu contatar telepaticamente o Homem de Ferro, que o libertou na primeira aparição de Thanos, em Iron Man 55.

Starlin ficou famoso na marvel com seu trabalho em Captain Marvel, e ele trouxe para o título Thanos, nos números 25 a 33. Nesse arco, o titã fez a sua primeira tentativa de ganhar o poder absoluto, usando um Cubo Cósmico, o poderoso objeto que transforma pensamentos em realidade e assim ele visava alcançar a a "divindade onipotente". Mas Thanos escolheu, tendo uma confiança enorme em si mesmo, brincar com o Capitão Mar-Vell. O bom capitão aproveitou a oportunidade e esmagou o Cubo Cósmico, acabando com a recém adquirida "divindade" de Thanos.




A série mais conhecida de Starlin na década de setenta foi Warlock, e mais uma vez Thanos pegou uma carona. Inicialmente, Thanos era aliado de Adam Warlock contra a contra-parte maligna do último, o Magus. Mas o verdadeiro plano de Thanos era usar seis objetos de poder, mais tarde chamados de Jóias do Infinito, e destruir todas as estrelas do Universo. Warlock, Mar-Vell e os Vingadores juntaram suas forças para impedir Thanos, que assassinou Warlock (em Avengers Annual 7), mas o espírito de Warlock retornou e transformou Thanos em pedra (em Marvel Team-Up Annual 2).




A Senhora Morte ressuscitou o seu leal adorador nas páginas de Silver Surfer 34-35, e Thanos impiedosamente tomou controle das seis Jóias do Infinito na clássica minissérie de 1990 de Starlin, The Thanos Quest. Thanos colocou as jóias em sua luva, então criando a Manopla do Infinito. Infinity Gauntlet foi a minissérie de seis números de 1991, na qual ele ressuscitou Adam Warlock, que junto com o Surfista Prateado e outros heróis Marvel, se uniram para tentar impedir o mais uma vez onipotente Thanos. Esperando agradar e impressionar a Senhora Morte, Thanos acabou com metade da vida do universo, mas ainda assim ela o rejeitou. Mais uma vez a superconfiança de Thanos em si mesmo foi a sua ruína: ele não se livrou de sua herdeira Nebula e ela tomou o controle da Manopla e a usou para desfazer o massacre de meio cosmos perpetrado por Thanos.




Thanos pode conscientemente lutar para obter o poder supremo, mas como Starlin aponta "subconscientemente existe uma coisa muito diferente acontecendo ali. Ele sempre desiste no final das contas". Mas por que? Porque, como sugere o próprio Adam Warlock, Thanos não se sente digno de manter o poder divino? "Digno é algo que ele nunca se questionaria", diz Starlin.




Então por que? Starlin explica: "Toda a vez que ele alcança o poder supremo, ele não o retem porque ele sabe que não é o que ele realmente precisa".

O Velho MacThanos Tinha Uma Fazenda

O que ele realmente precisa, então? Na surpreendente conclusão de The Infinity Gauntlet, Thanos adota uma nova vida como um simples fazendeiro em um planeta isolado, dizendo que ele desistiu de sua busca pelo poder absoluto.

De assassino em massa em uma escala cósmica para um pacífico cultivador do solo? Certamente isso vai de um extremo a outro. E essa era exatamente a função de Starlin.



Perguntado da razão de Thanos ter se tornado obcecado com a Senhora Morte, Starlin responde, "Bem, ele é um personagem obcecado. Ele não é um personagem de meios termos; ele vai a extremos. Eu sempre achei que se ele fosse em qualquer direção ele iria até o lado mais extremo que ele pudesse e daí ver o que eu poderia fazer com uma história assim". Então é por isso que Thanos funciona em uma escala operática, tornando-se obcecado pela Morte, massacrando bilhões, tentando tornar-se Deus (e até mesmo conseguindo). Ainda assim, no final das contas, Thanos sempre deixa que o poder infinito escape de suas mãos porque "na verdade, não é o que ele precisa".

Sobre o final de Infinity Gauntlet, Starlin diz, "Bem, naquela época eu percebi que usá-lo apenas como um vilão não era realmente o que eu queria. Porque ele era interessante demais para ser usado de uma forma bidimensional, um personagem que queria conquistar o universo, especialmente depois que ele realmente já tinha o conquistado e acabado com a metade dele".

Mas você pode realmente imaginar Thanos ficando contente como um humilde fazendeiro? Isso não é outro extremo insatisfatório? "Bom, você pode notar nas histórias onde ele era fazendeiro que ele tinha um gigantesco laboratório no seu porão", diz Starlin. Então, literalmente "sob" a vida pacata de Thanos. "É isso o que ele realmente estava fazendo, a direção que ele estava se encaminhando", frisa Starlin.

No que diz respeito a Starlin, Thanos finalmente superou a sua obsessão com a Senhora Morte."Bem, eu sei que eu tive alguns relacionamentos bem ruins durante os anos, os quais, se eu tivesse usado minha cabeça, eu teria evitado. Creio que qualquer um teria. Eu não posso deixar de imaginar que Thanos teria chegado a conclusão que o seu relacionamento era um erro sério".

Starlin diz que a razão da separação de Thanos e da Morte é graças ao talento do primeiro para a "auto preservação". Ele nota, "Ele sempre teve isso. Quantas vezes a garota má pode te dar um chute na bunda até que você percebe que vai ser sempre assim?"

Infelizmente, Thanos se encontrava na mesma situação que Michael Corleone em o Poderoso Chefão 3. Starlin observa que Thanos fica sendo trazido de volta para essas coisas, muitas vezes por forças de fora que não tem sabedoria suficiente para deixá-lo em paz".

Então, ele acaba ajudando Adam Warlock e outros heróis da Marvel em outra de suas minisséries, com crossovers escritos por Starlin. Em The Infinity War (1992), Thanos lutou com a contra-parte maligna de Warlock, o Magus; em The Infinity Crusade (1993), Thanos ajudou a combater a Deusa, a fanática manifestação do superego de Warlock. Thanos reclama que teve a sua parte nessas guerras cósmicas, "mas ao mesmo tempo, eu acho que essas são as únicas vezes que ele realmente se sentiu vivo", nota Starlin.






E existem adversários de Thanos que simplesmente se recusam a acreditar que ele não é mais uma ameaça para eles. Buscando poder suficiente se proteger, Thanos procurou o "coração do universo" e o "poder superemo" do cosmos mais uma vez. "Mas", o próprio Thanos explica em Thanos 1 (2003), "o primeiro dia de meu reinado terminou comigo destruindo o universo inteiro em um capricho". Uma criatura de extremos, realmente. Mas apesar disso, Thanos mudou: ele desistiu de seus poderes divinos para restaurar o universo e ressuscitar todos os seres vivos. (Essa saga é mostrada na minissérie de Starlin chamada Marvel Universe: The End, de 2003).






Dentro do Abismo

Entre aqueles que não percebem como Thanos mudou durante os anos estão outros escritores da Marvel, que, como comenta Starlin, "não tem a mínima ideia de como ele funciona". Nas últimas três décadas, Starlin entrou e saiu da Marvel em numerosas ocasiões e durante as suas ausências, outros escritores usaram Thanos em suas histórias. Mas na maioria das vezes, esses escritores ainda viam Thanos como o assassino cósmico e niilista das histórias do início dos anos setenta.

Starlin comenta: "Eu acho que esse é o problema com a maioria dos outros caras que o escreveram. Eles o tratam unidimensionalmente. E ele é extremamente complexo"

Starlin gosta de algumas histórias de Thanos por outros autores. Um exemplo é a história de Dan Jurgens em Thor, alguns anos atrás. Quando Starlin retorna a Thanos, após uma ausência da Marvel, ele preferiu incorporar o que outros escritores fizeram com o personagem. "Na maioria das vezes eu tento brincar com os brinquedos da Marvel ou DC sem jogar fora tudo o que aconteceu antes. Eu tento ter respeito suficiente pelos colegas artistas e escritores e tentar usar o que eles fizeram."




Mas Starlin diz, "se o negócio é realmente muito ruim, eu tento explicar e tirar da história geral." Uma das coisas que irritaram Starlin foi um arco escrito por Mark Waid em Ka-Zar nos anos 90 que usou Thanos. "Eu apenas recentemente encontrei Mark Waid, o qual não conhecia, e eu o confrontei sobre a história [risos] e ele disse, 'Bem, era para ser algum outro personagem que estava sendo usado em X-Men'. E eles simplesmente redesenharam o personagem como Thanos em Ka-Zar"

Então, uma das razões porque a minissérie de Starlin de 2002, Infinity Abyss, apresentando alguns doppelgangers de Thanos que ainda estavam na antiga fase "niilista". Eles que devem levar a culpa pelas histórias que Starlin acha que viola as características do Thanos "verdadeiro"!







O Thanos do Século 21

O tratamento mais recente de Starlin com Thanos foi nos seis números iniciais da série mensal Thanos, que foi colecionada no encadernado Thanos: Epiphany. Nesse arco, a vida de Thanos dá mais uma guinada inesperada. Concluindo que "apenas lidando com os meus próprios demônios pessoais eu poderia alcançar qualquer tipo de tranquilidade interna", Thanos decide buscar "redenção" pelos seus crimes passados fazendo boas obras. Durante esse arco Starlin coloca Thanos, que parece ter aceitado a sua culpa e está lidando com ela juntamente com Galactus, que está sendo consumido finalmente pela culpa de ter decorado bilhões e a entidade chamada Fome, um devorador sem consciência de universos inteiros."




Com a conclusão desse arco em seis partes, Starlin e a Marvel se separaram. Mas mesmo se Starlin tivesse permanecido, Thanos teria mudado de curso mais uma vez, "Bem, a coisa toda dele ter decidido se transformar em um cara legal não era algo que duraria muito, como você pode provavelmente adivinhar."

"O mundo não permitira que ele  fizesse isso. Eu tinha toda uma história envolvendo os Sh'iar e todos ono universo vindo atrás dele. Ele tinha muitos e muitos crimes para serem punidos. Eles simplesmente não o deixariam ser o sujeito bonzinho que ele pensou que poderia ser".

A palavra chave aqui é "pensou". Sendo um cara bom, expiando seus erros é para Thanos mais uma de suas viradas extremas na vida e mais um que seria abandonado.

O Que Faz Thanos Funcionar

Adam Warlock na verdade gosta de Thanos  e o considera um amigo. "Depois da tentativa inicial de um matar o outro", diz Starlin, Warlock e Thanos tem sido muito mais aliados que inimigos. Desde que Warlock foi apresentado como uma figura crística no passado, Thanos seria como Lúcifer. É como Cristo e Lúcifer "aprendendo a viver um com o outro", observa Starlin. "Seria bom se todos nós pudéssemos fazer isso".

Ainda assim, Warlock avisa os Rigelianos em Epiphany: "Thanos sempre foi uma personalidade complexa e instável. Ninguém se refere a ele como 'o Titã São'". Warlock acrescenta, "uma simples mudança de humor e Nova Rigel III pode ter que encarar um grave perigo".

Como podemos ser simpáticos com um personagem que por vontade própria destruiu milhões, bilhões ou até mesmo um universo inteiro de seres vivos?

"Bem", diz Starlin, "eu escrevi certos momentos entre ele e a Gamora que eu realmente senti que eram tocantes".

Thanos encontrou Gamora quando ela era criança e a criou para que ela se tornasse a mulher conhecida como a assassina mais perigosa do universo. Starlin observa que Gamora é, para todos os efeitos, a filha adotiva de Thanos. Já que Gamora e Warlock foram amantes, isso faria Warlock o genro de Thanos? "Eu nunca pensei dessa forma", responde Starlin, "mas sim, ele seria".

É claro, Thanos tentou matar os dois. Mas são águas passadas.

Ainda assim, como diz Starlin, "ele sempre foi um sociopata. Eu não o chamaria de psicopata porque eu acho que ele tem alguma afeição por Warlock, Gamora e até mesmo Pip [o troll]. Ele é um sociopata porque ele realmente não entende essas emoções".

Então, Thanos é insano? Starlin sugere que Thanos simplesmente está seguindo o seu próprio tipo estranho de lógica. "Sanidade é algo muito subjetivo. O que um esquizofrênico está vendo em seu próprio universo é completamente ininteligível para nós, mas em sua realidade ele pode ser são. É isso que acontece com essas pessoas, eles tem uma percepção de realidade completamente diferente da nossa".

Então, o que realmente Thanos quer da vida? Não é o poder supremo ou a vida de um eremita. Ou de arrependimento. Será que ele próprio sabe?

"Eu creio que existem certa coisas que todos nós queremos. Mas quando você chega a algo mais específico, isso torna-se mais complicado e nem sempre chegamos a uma resposta fácil". Então, Thanos está buscando uma resposta. "Assim como todos nós. Ele só é um pouco mais filosófico sobre isso e ao mesmo tempo não se contenta com nada".

Mas Starlin nos avisa que não devemos esperar nenhuma mudança significativa na personalidade de Thanos. "Ele foi um fazendeiro, mas ao mesmo tempo tinha um laboratório escondido. Você pode tentar mudar, mas na maioria das vezes você é o que é".

Thanos, o Inescapável

Mesmo quando Thanos não está trabalhando para a Marvel, ele algumas vezes tentou criar novas variações para Thanos. Por exemplo, Mogul, um vilão que Starlin criou para a DC que tem certas semelhanças físicas com o Titã Insano. "Eu conscientemente queria fazer uma versão de Thanos para a DC. Mas nunca realmente funcionou dessa maneira. Na verdade, recentemente eu estava falando com eles sobre fazer algum trabalho e Mogul era quem eu estava interessado. Mas não deu certo."

"Na verdade, em estou fazendo esse título chamado Kid Cosmos, e na segunda minissérie eu vou trazer um personagem que é o novo Thanos". Starlin o batizou de Hyperion Mors, mas ele diz "pode chamá-lo de Thanos 2.0 [risos]". Eles serão parecidos "apenas no fato que ele vai ser muito complexo e um personagem central da série, e que ele é um tipo de cara poderoso que é bom e ao mesmo tempo mau."

Nos mais de trinta anos que o Titã Louco fez a sua estréia nos quadrinhos, Jim Starlin continua claramente fascinado por sua criação. "Ele é tão complexo. Ele pode ser muito bom ou muito mau. E eu acho que é isso que o faz um personagem interessante e igualmente interessante de ser trabalhado, pelo menos para mim. Quer dizer, na maioria das vezes quando eu voltava a trabalhar para a Marvel, não era para trabalhar com Warlock ou o Capitão Marvel. cada vez que eu voltei para lá foi para trabalhar em uma nova história de Thanos. Eu eu sou muito orgulhoso de tudo que fiz com ele".

Então, no final, como podemos resumir Thanos, esse enigmático poço de contradições? Talvez Adam Warlock estava certo quando foi perguntado a mesma coisa em Thanos: Epiphany: "Lunático? Monstro? Salvador? Não sou eu que vou responder isso".


PETER SANDERSON é um historiador dos quadrinhos cujo trabalho inclui Marvel Universe. Ele leciona"Quadrinhos Como Literatura" na Universidade de Nova York, faz resenhas de graphic novels para a Publishers Weekly e escreve uma coluna on line na filmforce.ign.com/comics

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segunda-feira, 6 de abril de 2015

DC Preto e Branco, Allan Harvey

Essa matéria saiu originalmente em Back Issue 10, de Junho de 2005 escrita por Allan Harvey. Ela fala de algumas oportunidades perdidas e de títulos que poderiam ter entrado para a história. Do jeito que aconteceu, tornou-se apenas mais um dos tantos rodapés da História das Histórias em Quadrinhos.


No início dos anos setenta, os quadrinhos estavam encarando um futuro incerto. A exposição nas bancas estava diminuindo e, como causa ou consequência, as vendas estavam caindo. O impulso que a Marvel havia conseguido quando alcançou audiências nas universidades - sem falar no curto interesse gerado pela série de TV Batman - já havia passado. As editoras de quadrinhos estavam todas desesperadamente tentando encontrar o elusivo "algo" que traria de volta os leitores.

As revistas em quadrinhos em preto e branco, existiam como um nicho de mercado desde os anos 50, quando a EC trocou o formato de seu altamente popular MAD e o transformou em magazine. Enquanto os outros experimentos da EC nessa direção (as revistas de "Picto-Ficção") logo sumiram de vista a MAD tornou-se cada vez mais popular, se tornando um fenômeno.

No meio da década de sessenta, James Warren começou a publicara Creepy. Essencialmente uma recriação em preto e branco da linha de terror da EC, usando inclusive muitos de seus criadores. A Creepy teve um sucesso bem razoável. Uma publicação irmã, a Eerie, assim como títulos como Blazing Combat, 1984 e, é claro, Vampirella, asseguraram a Warren como a principal editora de magazines em preto e branco.






Talvez inspirada pelo sucesso da Warren, a Marvel decidiu publicar uma revista em 1968. O Homem Aranha era o seu personagem de maior sucesso na época, então ele foi escolhido para lançar o que se esperava ser uma nova linha de revistas. Infelizmente, a época não era apropriada para isso e The Spectacular Spider-Man naufragou nas bancas. Um segundo número acabou sendo publicado, mas desta vez em cores. E se deu tão mal quanto o primeiro

Em 1971, a Marvel tentou um outro título em preto e branco: Savage Tales. Eles claramente pensaram que tempo suficiente havia passado desde o fracasso de The Spectacular Spider-man e arriscaram uma nova revista. Entretanto, deve ser notado que, durante o ano anterior  o chefe de produção da editora, Sal Brodsky,  havia saído da Marvel para ajudar a fundar a Skywald, que publicava títulos de terror como Psycho, Scream e Nightmare. Em resposta a uma pergunta recente feita por e-mail , Roy Thomas, que era editor na época, explica que Brodsky "... viu que as revistas em preto e branco eram uma maneira de evitar [as restrições do ] Comics Code."






É possível que o aparecimento da Skywald tenha sido instrumental na decisão da Marvel de começar a produzir magazines em preto e branco. A ausência da supervisão do código parece ter tido algum apelo para o publisher James Warren. O próprio Warren viu o súbito interesse da Marvel nas revistas em preto e branco como uma ofensa pessoal. "James Warren ficou furioso com a competição", continua Thomas, "já que ele compreensivelmente achava que era uma ameaça a sua própria existência."

Savage Tales não foi um sucesso imediato (o segundo número só chegou as bancas depois de dois anos!), mas pela metade da década de setenta quase todas as grandes editoras de quadrinhos tinham a sua própria linha de revistas em preto e branco, a maioria de terror, imitando os títulos da Warren. Como teve problemas da primeira vez, a companhia não quis usar os super-heróis no novo formato, e as revistas ficaram todas sem a participação deles.

A Charlton Comics apostou na sua linha em preto e branco para mostrar as propriedades licenciadas como Space: 1999 e The Six Million Dollar Man. Até mesmo a jovem Atlas (Seaboard) teve revistas em preto e branco em sua curta existência.




Qual a razão dessa súbita popularidade na produção em preto e branco? Primeiramente, poderia haver uma economia de custos se os títulos fossem impressos sem cores e, segundo, as vendas poderiam ser mais baixas e mesmo assim dar algum luro. Isso aconteceria porque os magazines se beneficiariam de um preço de capa mais alto que os quadrinhos normais em quatro cores. O preço mais alto se justificava porque elas se destinavam a leitores adultos e os preços de tais magazines já estavam previamente determinados. Como dito por Roy Thomas, "foi por isso, pelo menos até o final dos anos setenta, que Savage Sword of Conan foi o provavelmente o título mais lucrativo da Marvel, mesmo quando Conan The Barbarian era um dos quadrinhos em cores que mais vendia."




Kirby Está Chegando!

Enquanto isso, sempre preocupada com a queda nas vendas dos títulos regulares, a DC estava tentando vários - e frequentemente inéditos - formatos para seus títulos. Eles publicaram quadrinhos com cem páginas, quadrinhos em formato tabloide, os digests (formatinhos)... Mas eles nunca realmente tentaram os magazines em preto e branco, mesmo que, naquela época, todos estivessem tendo algum sucesso com o formato. Na verdade a DC teve um breve flerte com o preto e branco. "Breve" sendo a palavra-chave aqui.

Um ressentido Jack Kirby saiu da Marvel em 1979 e chegou a DC com um monte de ideias. Provavelmente pela primeira vez em seus então trinta anos de carreira estavam dando a ele carta branca para criar o tipo de revistas que ele queria. Morando na costa oeste, ele seria o seu próprio patrão, editando e supervisionando a sua própria linha de quadrinhos, recebendo, o que ele esperava que fosse a menor interferência possível de seus chefes em Nova York.

Trabalhando no ápice de suas consideráveis habilidades, Kirby rapidamente criou uma linha unificada de quadrinhos: O Quarto Mundo [New Gods, Mister Miracle, etc]. Ao mesmo tempo, ele queria expandir os horizontes para os quadrinhos, indo além do que ele via como as limitações do tradicional formato de quatro cores. Kirby tinha uma visão de uma linha de magazines que teriam os mais altos valores de produção, anúncios sofisticados, contos de autores famosos e o mais importante, quadrinhos em cores. "Jack nunca gostou de quadrinhos em preto e branco", diz Mark Evanier, que foi assistente de Kirby mais ou menos nessa época.

Kirby chamou essa linha de quadrinhos que ele estava propondo de "Speak Out" (N.T.: algo como "ter opinião"), e inicialmente enviou três títulos para a aprovação da DC: Spirit World, In the Days of the Mob e True Divorce Comics.





Não tão entusiasmada com a linha "Speak Out" como estava Kirby, a DC rejeitou de cara True Divorce Cases, talvez porque não era exatamente o título de "romance" que eles estavam esperando. O trabalho continuou em Spirit World e In the Days of the Mob, mas as revistas foram "rebaixadas" para o formato preto e branco e em papel jornal, provavelmente graças ao desejo da DC de concorrer com a produção da Marvel e da Skywald. Kirby ficou desapontado, mas permaneceu profissional e produziu o trabalho com a melhor de suas habilidades.

Spirit World, quando foi finalmente publicada, passou a ser uma revista similar no tom a Creepy e a Eerie. Ela mostrava eventos sobrenaturais, frequentemente horríveis, sendo investigados por um certo Dr. Leopold Mass, que também era o "anfitrião" da revista, Nessa função, o barbado Mass fazia um papel não muito diferente do Guardião da Cripta nos títulos da EC ou ao Tio Creepy, nos da Warren.





Se formos analisar, In the Days of the Mob parece ter sido uma escolha estranha de tema. Ela lidava com eventos, alguns reais, alguns fictícios, da Era da Lei Seca: os gloriosos anos vinte e trinta. Entretanto, apenas alguns anos antes, Bonnie and Clyde (1968) tinha sido um grande sucesso e logo após a publicação de In the Days of the Mob, O Poderoso Chefão levou multidões aos cinemas.






Assim como Spirit World, In the Days of the Mob tinha o seu próprio anfitrião: O Diretor Fry. Não muito diferente de um burocrata qualquer usando um terno listrado. Fry administrava os presos no Inferno, mostrado engenhosamente por Kirby como uma penitenciária gigante. Quando Fry chamava cada um dos detentos, nós descobríamos a história de cada um deles e seus atos nefandos na Terra. Al Capone apareceu várias vezes.

Publicados na segunda metade de 1971, tanto Spirit World quanto In the Days of the Mob não conseguiram cativar os leitores. Posters promocionais foram produzidos para as bancas e assim ajudar nas vendas, mas é bem improvável que eles tenham feito alguma diferença. E também não sendo nem quadrinhos como os leitores estavam acostumados, nem revistas propriamente ditas, achar um lugar ideal para eles serem colocados nas bancas era um tanto difícil. Os fãs de quadrinhos convencionais não procuravam na seção de magazines enquanto os potenciais leitores "maduros" nunca saberiam das novas publicações se elas fossem colocadas entre os quadrinhos para crianças.

A DC fez alguns anúncios em seus títulos regulares, mas parecia que eles tinham pouca fé nas suas novas revistas. A famosa "DC Bullet", o logotipo da companhia,  não aparecia em lugar nenhum dos novos títulos e os leitores acabaram acreditando que "Hampshire Distributors Ltd" era responsável pela publicação. Mas dentro da revistas Kirby era listado como editor, junto com o então Diretor Editorial (que logo se tornaria publisher) Carmine Infantino, deixando o leitor mais observador com certa dúvida sobre a verdadeira origem das revistas.

Sem Chance Alguma

True Divorce Cases, que foi rejeitada logo de cara, pode ser vista hoje (com o benefício do tempo) como um dos melhores trabalhos de Kirby no período. Um título de romance, a revista contaria histórias picantes de amores que não deram certo e ofereceria algumas surpresas genuínas.






Uma das histórias preparadas para True Divorce Cases mostrava um jovem casal afro-americano. Por alguma razão, alguém na DC pensou que essa seria a história padrão do título e que daria a base ideal para uma revista direcionada para o público negro. Foi pedido a Kirby que ele desenvolvesse mais essa ideia. Ele então produziu um outro título completo: Soul Love. Kirby desenhou todos os personagens das histórias visivelmente de outras etnias, mas,  mais uma vez,  parece que a DC se acovardou e muito da etnicidade foi modificada quando as histórias foram arte-finalizadas. Não adiantou muito, já que de novo a DC rejeitou toda a revista depois que ela estava pronta.








Pouco progresso estava acontecendo nos outros títulos propostos da linha "Speak Out". Deveria existir um título de humor baseado no trabalho do cartunista da Mad, Sergio Aragonés, que já havia contribuído com várias páginas de cartuns tanto para Spirit World quanto para a In the Days of the Mob. Também havia planos para uma revista semi underground e risqué que em certo ponto começou a ser chamada de Uncle Carmine's Fat City Comix. Nem é preciso dizer que nenhum dos títulos foi muito além de algumas histórias de amostra. As páginas de "Galaxy Green", de Kirby, que são vistas ocasionalmente eram destinadas a Fat City, juntamente com trabalhos de alguns notáveis, como Steve Ditko.

Algumas das histórias que Kirby preparou para os títulos abortados acabaram sendo impressas. Os primeiros três números de Weird Mystery Tales, da DC, tiveram histórias que deveriam ter sido publicadas no segundo número de Spirit World e uma outra apareceu em Forbidden Tales of Dark Mansion número 6. Naturalmente, essas quatro histórias foram impressas em cores. Uma única história, destinada ao segundo número de In the Days of the Mob viu a luz em The Amazing World of DC Comics, impressa em seu preto e branco original, mas por algum motivo obscuro a DC reletreirou a história. Arte e histórias de True Divorce Cases, Soul Love e outros títulos abortados foram reproduzidas em vários números de The Jack Kirby Collector, publicado pela TwoMorrows.

Com o insucesso das revistas de Kirby, a DC desistiu de qualquer outra tentativa de explorar o mercado preto e branco que foi aberto pela Warren e pela Skywald. Parece que mesmo após vários anos terem se passado e a Marvel estar com um grande número de títulos, a DC ainda olhava o desastre de vendas que foi a linha "Speak Out" e estava relutante em lançar qualquer outra coisa no formato preto e branco. "Nós ficamos surpresos da DC não fazer mais quadrinhos preto e branco", admite Roy Thomas.

Len Wein, um escritor da DC na época e mais tarde editor-chefe da Marvel, tem um ponto de vista oposto: "Eu não fiquei surpreso de forma alguma. As revistas em preto e branco nunca foram grandes centros de lucros para qualquer editora. Quando as tentativas de Jack falharam, adiantaria fazer qualquer outra coisa?"

O antigo membro do staff da DC (e o "Homem Resposta") Bob Rozakis concorda com a análise de Wein: "As vendas das revistas de Kirby não foram boas o suficiente e isso teve um papel importante para que não entrássemos naquele mercado."

Enquanto as vendas baixas podem ter sido a razão principal, possivelmente há um ou dois outros fatores também. Primeiro, a DC no começo dos anos setenta não estava preparada para produzir magazines, enquanto que o publisher da Marvel, Martin Goodman, tinha uma companhia que vinha produzindo revistas masculinas por décadas.

O próprio Goodman não estava interessado em produzir revistas em preto e branco, na verdade. "Foi Stan Lee que sempre quis publicar revistas assim", diz Roy Thomas. Além disso, Thomas fala que Goodman "sempre procurava uma desculpa para cancelar as revistas".

Por e-mail, o artista e escritor Neal Adams, que esteve muito envolvido com a DC e a Marvel naquela época, explica mais o panorama das revistas em preto e branco nos anos 70: "A Marvel estava associada a uma companhia que produzia revistas masculinas em peto e branco. Eles tinham o equipamento e a tecnologia. Foi fácil."

"James Warren comprou uma companhia que produzia revistas de terror em preto em branco. Ele comprou o negócio e apenas adicionou quadrinhos. Mais tarde, ele adicionou cores também, o que provou ser muito caro."

"Eu não acho que nem mesmo ocorreu a DC produzir revistas em preto e branco e se não fosse por Kirby eles nem teriam tentado. Revistas em preto e branco eram consideradas um retrocesso."

Apesar de Stan Lee estar disposto a explorar o mercado preto e branco, a Marvel foi bem cautelosa no início. Roy Thomas disse: "A Marvel foi bem devagar... com vários meses entre Savage Tales 1 e 2., vários entre o 2 e o 3, etc. Savage Tales 1 foi um fracasso porque a Marvel teve medo de colocá-la entre outros quadrinhos aprovados pelo Comics Code, porque, bem, ela não era."

Esse medo da editora é interessante. Apesar das diretrizes do Comics Code Authority terem sido revistas fazia pouco tempo, permitindo uma liberdade um pouco maior no que poderia ser mostrado nos quadrinhos, ainda assim ela fazia a indústria tremer. A Marvel vinha arrebatando o interesse de alunos universitários já fazia um certo tempo, mas a DC ainda se via primariamente como uma editora de entretenimento para crianças. Essa relutância de romper com o Código pode nos fornecer uma outra razão para o abandono da linha preto e branco pela DC. É verdade, In the Days of the Mob e Spirit World não eram aprovados pelo Código, mas também não eram oficialmente publicações da DC. Lembram da Hampshire Distributors Ltd?

Se as revistas de Kirby tivessem sido um sucesso, é muito provável que a DC teria se aventurado no mercado do preto e branco. Mesmo do jeito que foi, a DC reconsiderou em certo momento. Bob Rozakis: "A ideia de lançarmos mais títulos em preto e branco foi discutida em algumas reuniões editoriais, eu lembro, e pode ter havido algumas sugestões, mas eles nunca foram adiante".

Quando perguntado que tipo de ideias foram discutidas nessas reuniões, Rozakis continua: "Eu não lembro de nenhum detalhe específico. Mas eu creio que eu incluiria alguma variação dos títulos de mistério."  O Comics Code não tinha nenhuma influência no conteúdo dos títulos em preto e branco, então fazer uma revista nos moldes da Creepy poderia ter um apelo para alguns editores.

Isso talvez nos dê mais uma razão para a relutância da DC. A equipe criativa da DC naquela época tinha vontade de trabalhar em revistas em preto e branco?

Perguntado via e-mail, se ele teria desfrutado uma maior liberdade em um magazine preto e branco de Swamp Thing, Len Wein respondeu: "Não. Eu sempre achei que a cor era um elemento importante do sucesso de Swamp Thing. Além disso, havia muito pouco do que nós estávamos fazendo que não seria aprovado pelo Comics Code."

Neal Adams ajudou a trazer o Batman de volta a suas raízes de "criatura da noite" no início dos anos setenta. Será que um magazine em preto e branco para o,personagem foi discutido em uma dessas reuniões de produção da DC? "Nunca me ocorreu fazer um Batman em preto e branco", diz Adams. "Eu trabalhava muito bem com o Comics Code, eu não era limitado. Afinal de contas, eu tinha trabalhado para a Warren, então se eu tivesse vontade de explorar algo mais, eu teria feito isso".

O artista, escritor e editor da DC, Joe Kubert concorda: "Eu nunca considerei a aprovação do Código um problema, simplesmente porque eu nunca quis exagerar na violência ou ilustrações com sexo. Eu nunca me senti inibido."

No final das contas, as histórias das revistas em preto e branco da DC é curta. As vendas baixas das duas tentativas de Jack Kirby, a vontade de não alienar o Comics Code e o pouco interesse dos editores e artistas da DC, tudo contribuiu para a falha da DC em competir no mercado em preto e branco.

Se as coisas tivessem sido um pouquinho diferentes, talvez a DC tivesse tentado alguns outros experimentos quando a Marvel foi para esse lado. Enquanto a relutância em fazer super-heróis no formato preto  e branco tornaria um Batman impossível, House of Mystery e House of Secrets teria caído muito bem nesse formato e se tornado em belos magazines. Um título em preto e branco inspirado pelas criações de Edgar Rice Burroughs, editado por Joe Kubert teria feito frente ao sucesso da Marvel, Savage Sword of Conan, trazendo a fantasia pulp a uma audiência mais ampla. Quem sabe, alguns desses títulos teriam sido as maiores histórias jamais contadas.




Escritor, Artista e Fã de longa data de quadrinhos, Allan Harvey atualmente vive em Londres, mas ele fala com sotaque galês. Veja mais de seu trabalho em www.allanharvey. net.

Spirit World e In the Days of the Mob ganharam dois hardcovers em 2012 pela DC. 

Como sempre, recomendo o excelente título de análise sobre quadrinhos, a Back Issue, Os números podem ser adquiridos no site da editora, http://twomorrows.com/








quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Lanterna Verde & Arqueiro Verde e a Relevância Social






They've all come
To Look for America
All come, to look for America,
All come, to look for America.

O refrão da canção de Paul Simon, "America" mostra a busca por um país que parece ter desaparecido, junto com sua beleza física e principalmente seus ideais. Era 1968, a Guerra do Vietnã estava escalando, Martin Luther King seria morto em Abril nas ruas de Memphis e no mês seguinte, começariam os protestos em Paris.

Denny O"Neil estava completamente antenado com isso. Ele ainda não tinha chegado aos trinta na época, e para uma geração que tinha como mote "nunca confie em ninguém com mais de trinta anos", ele certamente tinha algo a dizer sobre tudo isso.

O'Neil estava, juntamente com Neal Adams, reformulando o Batman depois da série camp de 1966, trazendo de volta o personagem a suas raízes sombrias. Isso foi no início de 1970. No mesmo ano ele assumiu o título Green Lantern, que estava nas mãos de John Broome (um dos criadores do Lanterna Verde da Era de Prata) e Mike Friedrich. O'Neil inclusive havia escrito um número de Green Lantern em 1969 (número 72), em um plot pouco inspirado que envolvia uma ópera em um planeta do sistema Berliotz, com o singelo título de "O Fantasma da Opera Espacial" (Santos trocadilhos, Batman!)

O título com certeza precisava de uma sacudida, já que as vendas estavam cada vez menores. Em Abril de 1970, O'Neil assumiu o título, juntamente com Adams, que entrou no lugar do veterano Gil Kane. O Lanterna Verde era, até então, um personagem de ficção científica, assumidamente tendo as suas raízes nos pulps das décadas de 30 e 40, principalmente a série Lensman, de E.E. Smith. O'Neil resolveu transformar a série em sua visão para a sociedade dos Estados Unidos naqueles efervescentes anos.

O Lanterna Verde era, por definição, o "careta", o "tira espacial". Ele precisava de um contra-ponto. E esse contra-ponto foi achado na figura de Oliver Queen, o Arqueiro Verde, que em uma história de Bob Haney e do próprio Adams, em The Brave and the Bold 85 (1969), perdeu toda a sua fortuna e o transformou em um herói urbano (inclusive com um novo visual). Ele era um liberal, para dizer o mínimo.

O título começou a estampar "Green Lantern/Green Arrow" em seu logotipo. A primeira vista, seria apenas mais um título team-up. E possivelmente foi isso que os leitores pensaram quando compraram o número 76, no começo de 1970.




Estava longe disso. O'Neil disse a que a série veio desde o seu primeiro número. O Lanterna Verde, por acaso, se envolve em um quebra-quebra entre moradores de um cortiço e do dono do lugar, um homem rico e que quer apenas coletar o seu dinheiro, não pensando em nenhum benefício a seus inquilinos. Ele fica do lado do homem, já que ele está sendo atacado pelos "rufiões" de plantão, mas principalmente porque ele parece respeitável. O Arqueiro Verde entra na briga e explica exatamente o que está acontecendo, para um atônito Lanterna, que só pode dizer "Mas eles estavam desrespeitando a lei".


Mas o que realmente afeta Hal Jordan, Lanterna Verde do Setor 2814, que segundo O'Neil era um "cripto-fascista que lutava pela Lei e Ordem do 'Establishment'" é o diálogo a seguir:


O Lanterna se redime, indo atrás do dono do cortiço, mas para o Arqueiro isso não é o suficiente. Ele quer que Jordan veja o que está acontecendo com a América. Que tente sarar as feridas de sua terra, não de distantes mundos.


Então, os dois, mais um dos poderosos Guardiões (os "chefes" do Lanterna Verde),  saem em uma peregrinação pelo país. E dão a chance a O'Neil para tratar de temas relevantes, como corrupção, racismo, poluição e os cultos que assolavam a América naquela época.


Snowbirds Don't Fly 

Em dois do mais famosos números da série (85-86, 1971), O'Neil ataca os problemas da droga e do vício. Colocando como o viciado ninguém menos que  Roy Harper, o Ricardito, antigo parceiro-mirim do Arqueiro Verde. A Marvel, meses antes,  havia feito um número de Amazing Spider-Man lidando com a mesma temática. O que gerou problemas com a Comics Code Authority e foi responsável pelo tal Código ser reescrito.

A história fez que O'Neil e Adams ficassem famosos e inclusive dessem palestras em universidades pelos EUA.  Afinal de contas,  um quadrinho estava ousando a lidar com esse tipo de problema.

Mas a ideia  de O'Neil para o fim da história era diferente. Ele  queria que Harper conseguisse se livrar do vício sozinho e se reconciliasse com o Arqueiro. O mesmo que o tratou como lixo quando descobriu seu vício. Oliver Queen, campeão das causas morais tinha pés de barro e enquanto tentava salvar o mundo, não percebia (ou fingia não perceber) o que acontecia com aqueles que estavam mais próximos dele. Considerando tudo isso, uma reconciliação mágica a la The Waltons seria totalmente inverossímil e anti-climática. Adams percebeu isso e mudou o final, que apesar de ter a lição de moral costumeira da série, não era tão cor de rosa como queria O'Neil.




A série teve uma receptividade enorme. Entrevistas em jornais, revistas, TV e rádio. As já citadas palestras em universidades. Cartas elogiando as histórias. Receita para o sucesso, certo? Uhn... Não. Julius Schwartz cancelou o título no número 89 (Abril-Maio de 1972). As razões podem ter sido várias. Primeiro, como admitido pelo próprio O'Neil, a animosidade entre ele e Adams estava crescendo cada vez mais. Vamos acrescentar os constantes atrasos de Adams (Schwartz teve que publicar um reprint no número 88) e muitas vezes o título não era publicado todos os meses.  Ou, é claro, poderia ter existido algo mais, um certo desconforto das corporações. Pessoalmente, acho que a resposta é mais simples: o título, apesar de ser um sucesso de crítica, não vendia exatamente o que deveria vender. É só lembrar o que aconteceu com New Gods, de Jack Kirby, outro sucesso entre os críticos, mas que não alcançava as metas da editora.



A história final foi divida em três partes e saiu como back-up em The Flash 217 a 219 (1972). Um fim lacônico para uma série tão aclamada.

O que deve ser entendido da série, que com o tempo ganhou a alcunha de "Hard Traveling Heroes" é que ela foi um divisor de águas. Temas que são lugares comuns hoje nos quadrinhos começaram a ser tratados de maneira séria, ou pelo menos tinham uma intenção séria, ali. E, apesar de achar que a palavra "contextualizar" muitas vezes é uma das mais antipáticas em qualquer língua, é justamente isso que tem que ocorrer quando se lê essas histórias pela primeira vez.

E o "ler essas histórias pela primeira vez" no Brasil aconteceu apenas, de forma plena, em 2006, mais de trinta anos após elas terem sido publicadas. A EBAL ignorou solenemente as histórias, possivelmente por receio que tais temas sociais não caíssem muito no gosto do regime vigente no país no início dos anos setenta.

A Editora Abril publicou seis das treze histórias, primeiro em Heróis em Ação (1984) e depois em Superamigos (1985). Em 2004, a Opera Graphica publicou uma edição com os números 83 e 84. Somente em 2006 a Panini vem a lançar todas as histórias em dois volumes de Grandes Clássicos DC (os números 6 e 7).




O'Neil, em sua introdução para uma republicação em sete partes lançada pela DC em 1984 diz algo que é extremamente válido: "Se tivéssemos a oportunidade, continuaríamos a explorar a alma de nossos heróis? Não sei. Mais provavelmente, não. Acho que voltaríamos ao drama social e, como já tínhamos feito histórias sobre cada problema contemporâneo que me preocupava, eu logo estaria vasculhando as páginas do New York Times em busca de ideias. No final, iriamos degenerar a série até a auto-paródia, um título da 'Causa do Mês'. Da forma como foi, assimilamos as lições que havíamos aprendido e fomos em frente, agora mais calejados. Tínhamos nos engajado por mais de um ano em um projeto que, ao mobilizar toda a nossa capacidade, nos mostrou exatamente quais eram as essas capacidades e como elas podiam ser melhoradas. Fizemos um trabalho significativo, tanto pessoalmente como profissionalmente. Tivemos nosso momento de fama, influenciamos outros como nós. E nos divertimos".

Ele encerra a introdução assim: "Não gosto de pensar muito nessas histórias. Elas são relíquias de alguém que jamais voltarei a ser. São de um período espiritualmente tão longínquo quanto o pleistoceno. Contemplar as histórias seria olhar na direção errada. Mas estou contente por elas existirem".

Eu também, Denny. Eu também. Apesar de hoje as histórias serem datadas e muitas vezes panfletárias, elas tiveram a sua função. E são um documento histórico que precisa ser lido por todos que gostam de quadrinhos. Além de tentar entender uma época através de sua arte.