Em 1980, os produtores da peça de teatro Warp chamaram Mike Gold para que ele
produzisse uma versão em quadrinhos da mesma. A peça tinha os designs de um dos
grandes nomes dos quadrinhos, Neal Adams, que não estava disponível para
produzir tal quadrinização.
Gold havia passado vários anos em Chicago como escritor
freelancer, editor de um jornal underground, radialista, advogado e ativista
político. Ele ajudou a desenvolver a National Runaway Switchboard, um
importante órgão que cuida dos sem-tetos nos EUA. Seu trabalho nessa instituição
o levou a DC, como o primeiro diretor de relações públicas da companhia, em
1976. Ele quadruplicou as vendas da DC no início do mercado direto, mas logo
voltou a Chicago, para começar uma revista sobre o então nascente mercado de
home vídeo. Gold sempre foi inquieto e procurava desafios.
Quando ele foi contato pelos produtores da Warp, ele decidiu que deveria existir
uma nova editora. Ele chamou o advogado Ken Levin, com quem já havia trabalhado
na National Runaway Switchboard para que ele coordenasse o lado legal da
companhia que viria a se tornar a First
Comics.
O início dos anos 80 trouxe uma série de modificações no
modo de ver os quadrinhos. O nascimento do mercado direto, fora das bancas de
jornal e indo para as lojas especializadas. Artistas recebendo os seus direitos
criativos. E pequenas editoras fora de Nova York atraindo grandes talentos. E a
First é o melhor exemplo dessas modificações.
A editora foi lançada oficialmente em 1983 com a dita
adaptação de Warp por Frank Brunner,
a volta de E-Man (que tinha sido publicado originalmente pela Charlton em
1973) e dois trabalhos de Mike Grell, Jon
Sable Freelance e Starslayer (essa última havia sido
publicada originalmente pela Pacific Comics e a First continuou a sua
numeração, do número 7).
John Ostrander, ator e escritor teatral, começou a vender
roteiros para Gold. Um deles era sobre um mercenário durão, mas coração de
ouro. A ideia era que se passasse em Chicago, mas o conceito de uma cidade que
era o nexo de várias dimensões (Cynosure, usada pela primeira vez na Warp
Special 1) fez que ele o
colocasse lá. O personagem, é claro, era John Gaunt, conhecido como Grimjack.
Lenin Delove, o novo artista de Starslayer fez algumas
artes conceituais para o personagem, e Gold, apesar de ter ficado impressionado
com a apresentação, sabia que era impossível para o artista manter a mesma
qualidade em dois títulos.
Entra Timothy Truman. Ele havia estudado na Kubert School e
tinha feito algumas histórias curtas para Sgt Rock, na DC, antes de começar a
trabalhar na empresa de jogos TSR. Ostrander e Truman imediatamente se tornaram
amigos, iniciando uma parceria que daria vários frutos no futuro.
Truman pegou a interpretação original de Delsol e fez um
upgrade enorme. O artista declarou a revista especializada Back Issue: “Eu li a proposta inicial de John e pensei
‘tanto o personagem quanto a ambientação têm que ser mais sujos, mais duros’”
Ele foi importantíssimo para a criação dos conceitos em Grimjack.
Por exemplo, Cynosure, apesar de não ser uma criação nem de Ostrander nem de
Truman, ganhou suas características nas mãos desse artista. Truman declarou:
“Eu sempre fui um cara tranqüilo, nunca realmente me envolvi com drogas... Mas
eu conheci (quando era baixista) várias pessoas assim, gente da pesada:
músicos, viciados, caras que mais tarde se tornariam membros de gangues de
motoqueiros, ex-Boinas Verdes, reservistas dos Fuzileiros Navais”. Obviamente,
tais experiências ajudaram definir Cynosure e, principalmente, seus habitantes.
Após uma menção em Starlayer 8, Grimjack estréia em
back-ups no número 10. Mike Gold admite que usou uma mão pesada nos roteiros.
Ele diz: “Eu estava muito envolvido no processo do plot, às vezes envolvido
demais até, porque a função de um editor é ser um advogado para o leitor, assim
como para a editora. E também para os artistas envolvidos”.
É difícil saber o quanto das primeiras histórias de Grimjack
é de Ostrander, Truman ou Gold.
Ostrander escrevia usando o velho recurso do
detetive durão, a narração em primeira pessoa, típica de Raymond Chandler. Mas
o tom era certamente de Truman. Segundo ele, o movimento do “grim and gritty”
dos anos oitenta começou em Grimjack.
Durante os oito back-ups somos apresentados a John Gaunt,
Grimjack. E descobrimos que ele tem um
passado trágico. Ele foi um assassino, tentou ser feiticeiro, foi policial,
agente secreto. E agora, assim como Rick Blaine em Casablanca, dono de um bar, o
Munden’s. Ele é também um mercenário, vendendo sua espada (já que em muitas
dimensões de Cynosure nem feitiçaria nem armas de fogo funcionam) a quem pode
pagar. Ou não. Ele tem um senso muito particular de honra e não hesita em
ajudar quem precisa.
Grimjack quebrou alguns paradigmas. Diziam que os quadrinhos de
ficção científica não vendiam. E o que é pior, quadrinhos de ficção científica
E fantasia, com muito mais que um toque
de pulp. Com um personagem de meia
idade, enquanto a DC, por exemplo, insistia em deixar o Superman e o Batman
congelados nos eternos 29 anos. Entretanto, os back-ups na Starslayer se tornaram um
sucesso, e logo teríamos Grimjack 1 (Agosto de 1984), que se
tornou o sétimo título da First e o que mais durou. E foi o segundo título da
editora que mais vendeu, atrás apenas de Jon Sable Freelance, de Mike Grell.
Grimjack tinha vinte e oito páginas de história todo o mês. Para um
artista tão detalhista quanto Truman, esse era um ritmo impossível de ser
mantido. A solução encontrada por Gold foi a criação do back-up “Munden’s Bar”,
que servia para dar mais luz ao mundo de Grimjack, além de permitir que novos
criadores usassem os conceitos e personagens. Esse back-up já se inicia no
segundo número, com uma história desenhada por Rick Veitch. Além de Veitch,
criadores como Kim Yale (que viria a se tornar a esposa de Ostrander), Max
Allan Collins, Steve Bissette, Jill Thompson, John Totleben e até mesmo Brian
Bolland passaram por lá.
Ostrander e Truman começaram a desenvolver uma longa
história que culminaria em “Trade Wars”, uma guerra entre várias facções de
poderosos de Cynosure que controlavam pedaços da cidade, mas agora não estavam
mais contentes com apenas esses pedaços, querendo controle total. Nada
diferente das maquinações dos Corleone em The
Godfather.
Enquanto isso, na linha administrativa as coisas não estavam
tão boas. A First começou a atrasar o pagamento dos freelancers. Nem Truman nem
Gold gostaram disso. Gold tirou férias e quando voltou descobriu várias ofertas
de trabalho. Ele acabou indo para a DC, onde ficou por sete anos. E Truman
deixou o título no número 19, antes da conclusão de “Trade Wars”. Ele foi para
a Eclipse, que lhe ofereceu a chance de escrever e desenhar o seu próprio título, Scout. Ele fala sobre
isso: “Eu odiei ter que deixar o título. Realmente odiei. Mas os cheques
atrasados combinados com a chance de fazer o meu próprio material fizeram que
eu tomasse uma decisão assim”.
O novo editor de Grimjack foi Rick Oliver. Para
substituir Truman, o veterano da Warren e da Marvel, Tom Sutton foi contratado.
Sutton ficou até o número 31, sendo substituído por Tom Mandrake.
Na metade da passagem de Mandrake pelo título, Ostrander mata Gaunt. Antes da DC fazer isso com
o Superman. Segue-se uma história envolvendo a volta da alma de Gaunt para um clone. Ostrander empresta pesadamente de
Michael Moorcock e seu Campeão Eterno na seqüência. A alma de Gaunt está
destinada a reencarnar sempre, nunca conhecendo a paz. Desta forma, vários
personagens se tornaram Grimjack. Além do original, temos o clone, um ciborgue,
um alienígena, uma mulher. E um outro que logo se tornaria familiar: James
Edgar Twilley.
Twilley aparece dois séculos depois e começou a se
auto-intitular “Grimjack”. Era uma das encarnações de Gaunt e a tentativa de
Ostrander de dar um frescor ao título. Afinal de contas, as maiorias das memórias
de Gaunt haviam desaparecido e Twilley era basicamente um novo personagem.
No número 55 (Fevereiro de 1989), o artista Flint Henry
assumiu o título. Henry fazia parte do estúdio de Truman , o 4-Winds, e havia
trabalhado com storyboards para a indústria de jogos eletrônicos.
Entre os números 65 e 69, uma história em flashback é
contada, desenhada por Steve Pugh. E quando o back-up de”Munden’s Bar”
terminou, Ostrander, Yale e Pugh criaram outro, “Youngblood”, que mostrava a
juventude de Gaunt. Esse back-up foi até o penúltimo número, o 80.
Em Abril de 1991, com o número 81, Ostrander e Henry
finalizaram a série. E a First não durou muito mais que isso. Já no final dos
anos oitenta, a editora estava preferindo lançar one-shots e minisséries, no lugar das mensais. Grimjack era uma das
exceções. E assim como tinha acontecido com Truman, os artistas das séries mais
longevas da editora haviam sido substituídos, como no caso de Steve Rude (em Nexus) e Mike Grell (em Sable), fazendo que as vendas despencassem.
Até mesmo a Classics Illustrated foi cancelada.
Em 1991 a First declarou falência, fechando as suas portas
de vez no início de 1992, deixando as suas criações e fãs no limbo. Parecia que
não veríamos nunca mais Grimjack ou qualquer de seus
títulos.
Mas não foi assim. Em 2001, Mike Gold foi contratado por
Ostrander e Truman para tentar conseguir rever os direitos de Grimjack.
Ele conseguiu um acordo, criando uma companhia onde ele, Ostrander e Truman
(além de Ken Levin) tinham uma parte.
Isso permitiu que Ostrander e Truman se reunissem outra vez
para publicar Grimjack: Killer Instinct (2005),
uma minissérie em seis partes publicada
pela IDW. A minissérie forma uma espécie de prequel
para a série da First, mostrando a vida de John Gaunt até o momento que ele
faz a sua estréia em Starslayer 10.
A série teve uma
crítica positiva enorme e a IDW começou a reimprimir as histórias da First em
encadernados chamados The Legend of Grimjack. Oito
coleções foram lançadas (e depois dois Omnibus).
Em 2009, uma nova história, The Manx Cat foi
serializada como uma web comicdo site ComicMix. Através de um acordo com a IDW,
ela ganhou uma versão impressa, primeiro como uma minissérie em seis partes e
depois em uma encadernação.
The Manx Cat é a história de uma
estatueta, aos moldes de The Maltese
Falcon, de Dashiell Hammett. A história é importante porque envolve viagens
no tempo, reencarnação e os deuses antigos, dando um apanhado do passado e
futuro de John Gaunt.
Grimjack é uma
série que merece ser lida por todos os fãs de aventuras, fantasia e ficção
científica. Mas principalmente por quem gosta de uma história bem contada.
E isso não faltava nesse título.
Serviço
No Brasil, quatro edições de Grimjack saíram pela Cedibra
em 1987 (publicando os primeiros quatro números da First). A Editora Abril, em
1991, lançou o especial de 68 páginas Grimjack Polícia das Sombras.
A First, antes da falência começou a reimprimir a série em Grimjack
Casefiles. Durou cinco números.
A IDW lançou oito volumes de The Legend of Grimjack,
mais dois Omnibus. Além das duas minisséries, Killer Instinct e The
Manx Cat.
Sou um grande fã de Grimjack e apreciei bastante sua resenha não só sobre o título mas sobre os sujeitos que construíram a First Comics.
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