Prata e Bronze

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Sobre Realidades Alternativas, Peter Sanderson

Peter Sanderson é um dos grandes críticos e historiadores dos quadrinhos americanos. Colaborou com o Who's da DC e o Marvel Saga, além de ter escrito livros ensaios sobre os quadrinhos. Nos anos oitenta e comecinho dos noventa ele escreveu para a lendária Amazing Heroes, sobre a Era de Ouro e a de Prata. Traduzi dois desses excelentes artigos. Aqui vai o primeiro.  Espero que gostem. 

É com você, Pete....

Sobre Realidades Alternativas

Peter Sanderson
Amazing Heroes 184 (outubro de 1990)


A opinião geral marca a transição entre as Eras de Ouro e Prata dos quadrinhos com a aparição dos primeiros heróis “atualizados” da Era de Ouro, sob o reinado editorial de Julius Schwartz  (o Flash em Showcase 4) e a estréia do primeiro título “verdadeiro” alguns anos depois (Fantastic Four 1). 

Mas eu acho que a Era de Prata é quase igualmente caracterizada pelas mudanças que ocorreram nos títulos do Superman,  durante este mesmo período, quando eles eram editados por Mort Weisinger.
Os títulos de Weisinger estão entre os considerados menos inovadores da Era de Prata. Eu acho que isso ocorre porque eles foram os primeiros dos três grupos a caírem do gosto popular, assim como da crítica. O estilo de quadrinhos de Stan Lee continua vendendo muito hoje em dia, mesmo que a maiorias dos quadrinhos da Marvel não sejam mais considerada o supra-sumo dessa forma de arte. 




 As séries de Schwartz sofreram enormes revisões depois da publicação de Crisis on Infinite Earths, tanto que, apesar de seus méritos, as novas versões dessas séries tinham muito pouco a ver com o que aconteceu antes. Ainda assim, Batman é ainda reconhecidamente a mesma série que vem sendo nos últimos vinte anos, e agora, é claro, extremamente popular.

Mas os títulos de Weisinger perderam o seu ímpeto criativo no meio dos anos sessenta e foram extremamente modificados no final daquela década. O que antes havia se tornado uma inovação brilhante se transformou em embaraços, em parte devido a superexposição, em parte graças as histórias medíocres nos seus últimos anos e ainda em parte porque uma quantidade delas parecia infantil demais para o gosto dos leitores, a maioria dos quais já não tinha nem a idade nem o gosto para tais leituras e não poderiam levar a sério coisas como Raiado, o Supergato.

Eu me pergunto, entretanto, se o fracasso dos títulos de Superman de Weisinger era inevitável. Apesar desses títulos na Era de Prata terem sido marcados por grande criatividade, eu acho que eles refletiram também o início do fim de um ciclo e até mesmo uma desilusão, por mais estranho que isso possa parecer, com o próprio conceito do super-herói. Em 1958, o Superman já existia por vinte anos. E no início dos anos sessenta ele aparecia em SETE títulos diferentes, todos editados por Weisinger (não contando suas aparições em Justice League of America): Superman, Action, Superboy, Adventure, Lois Lane, Jimmy Olsen e World’s Finest (esse último foi transferido para a editoria de Weisinger em 1964).

Eu suspeito que os editores e escritores da época se achavam na mesma posição que muitos escritores estão hoje, procurando trazer vida nova a personagens e títulos que existem há décadas, e olhando para as soluções que eles encontraram naquela época pode dar alguma luz para as soluções usadas hoje.(2)

O desenvolvimento mais digno de nota nos títulos do Superman durante a primeira metade da Era de Prata foi a rápida proliferação de novos personagens e conceitos: Supergirl, Brainiac, a cidade engarrafada de Kandor, a Legião dos Super-heróis, o Mundo Bizarro, a Zona Fantasma e as várias espécies de kriptonita, para citar apenas os mais famosos. Essas criações não só apresentavam enormes novas possibilidades para histórias, mas também, se olhadas em conjunto, criaram um tipo de “Universo de Superman”, comparável com o Universo Marvel que logo se formaria.

A maior diferença entre esses dois universos é, é claro, que os personagens do Universo Marvel apareciam nas séries uns dos outros. Com a exceção do Batman e Robin, os co-astros de World’s Finest, os outros heróis raramente apareciam nos títulos do Superman. Possivelmente porque os outros heróis da DC eram controlados por editores diferentes, então cada um desses editores preferia lidar com seus próprios personagens. Os títulos da Marvel tinham todos o mesmo editor – Stan Lee, que fornecia o roteiro para a maioria deles também.  Ainda assim, a maneira que Stan juntava as suas séries era única para a época.

Tirando  Justice League, todos os títulos comandados por Schwartz raramente misturavam seus personagens: os encontros do Flash com o Lanterna Verde eram relativamente infrequentes e o Doutor Luz era tratado nas revistas como uma clara anomalia, já que ele combatia heróis diferentes cada vez que ele aparecia.

Hoje em dia, certamente como resultado do sucesso da Marvel com o seu próprio Universo, a DC adotou a ideia de um “Universo DC” no qual os crossovers regulares ocorrem. Apesar disso, eu argumentaria que o Universo DC, talvez por necessidade, é mais coeso que o da Marvel. O Universo Marvel de hoje envolve um pequeno núcleo de títulos criados por Stan Lee, Jack Kirby, Steve Ditko e alguns outros como parte de um todo. Algumas vezes aparecem séries realmente derivadas, como Silver Surfer (vindo de Fantastic Four), mas era mais comum que cada série começasse sozinha e depois fosse ligada ao todo através de crossovers.

Assim, o Homem-Aranha encontra o Quarteto fantástico em sua segunda história, enquanto o Demolidor luta com o Electro, o inimigo do Homem-Aranha também em seu segundo número. Esse processo continua até hoje: X-Men da origem a New Mutants, Spider-man dá origem a Punisher, o novo Deathlock e o novo Motoqueiro Fantasma encontram personagens estabelecidos da Marvel já no início de seus títulos. John Byrne até mesmo parodiou esse processo quando ele fez que o Homem-Aranha aparecesse para o “obrigatório” crossover do terceiro número em She-Hulk.

É assim que até hoje esse estilo de aventuras e caracterizações dá uma unidade artística ao Universo Marvel. O Universo DC, por outro lado, foi criado emendando continuidades de personagens que foram criados e desenvolvidos separadamente um dos outros. Isso é verdadeiro até mesmo para o chamado “Universo DC Pós-Crise” que vem se desenvolvendo pelos últimos cinco anos. Cada série, ou pequeno grupo de séries, foi atualizada individualmente. Por grupos diferentes de criadores. Então, apesar da maioria dos personagens da DC habitarem o mesmo “universo compartilhado” ficcional, eu creio que há grandes diferenças no estilo e objetivos criativos entre os títulos principais os quais estão sob a tutela de diferentes editores.

O Universo do Superman de Weisinger tinha a sua base no “elenco” familiar do Planeta Diário: o Superman/Clark Kent, Lois, Jimmy e Perry, localizado em um cenário urbano contemporâneo. Mas ia muito mais longe que isso, primeiro trazendo personagens de apoio adicionais que viviam exatamente nesse mesmo cenário, como Lana Lang, Lucy Lane e o Professor Potter. E os vilões, todos no mesmo ambiente também, o mais notável entre eles sendo Lex Luthor.





A criação da Supergirl significou implantar uma série dentro de uma série, com o seu próprio subconjunto de personagens. E a mitologia do Superman foi ainda mais ampliada usando a volta ao passado, nos mostrando o Superman e Lana como adolescentes e mesmo como bebês, em histórias com o seu próprio conjunto de personagens: Ma e Pa Kent, o Professor Lewis Lang e vários outros.
As histórias nos levavam para ambientes de fantasia localizados na Terra – como a cidade submersa de Atlantis e, mais importante, Kandor, uma cidade kriptoniana sobrevivente que havia sido miniaturizada. Elas também nos levaram ao espaço exterior, com Brainiac, o Esquadrão de Vingança e todos os Bizarros. As vidas dos pais do Superman, Jor-El e Lara, em Krypton freqüentemente eram o assunto de tais histórias. O Superman também recebeu uma longa série de antepassados, e através dos anos a História, cultura e geografia de Krypton foram mostradas em grandes detalhes. E os mythos do Superman também se estenderam até o futuro com a criação da Legião dos Super-heróis, que deu origem a uma mitologia própria altamente complexa e vasta, mitologia que continua a crescer até hoje.  E na verdade, a continuidade da Legião é possivelmente a contribuição mais duradora da Era de Weisinger para os quadrinhos.



Então, o universo do Superman se centrava em uma pequena família adotiva (o staff do Planeta Diário) com a qual nós podíamos nos identificar e se estendia por vastas distâncias através dos tempo e do espaço, abrangendo o mundano planeta em que vivemos e o cósmico, seres humanos comuns e seres de poder imenso. E mais, tudo o que mencionei apareciam nos títulos do Superman regularmente; estes lugares e indivíduos eram todos parte integral da continuidade. E como nós veremos,  uma história lidando com um grande evento afetando o Universo do Superman mostraria repercussões em todos os principais componentes daquele universo ficcional.

Então, na minha opinião, o Universo do Superman não era tão diferente assim do Universo Marvel inicial, que da mesma forma ia de cenários comuns (o humilde lar e escola de Peter Parker) até o fantástico (Atlantis e Asgard), passando pelo cósmico (o Império Skrull). Na verdade, apesar do Universo Marvel do início dos anos sessenta lidar muito mais com os super-heróis nos dias atuais, o Universo do Superman estava em vantagem na questão temporal, indo desde o futuro da Legião e voltando para a infância do Superman e até a história do próprio planeta Krypton.


Adições a mitologia do Universo do Superman eram permanentes e os leitores eram encorajados a ficar de olho nelas. Muito freqüentemente os títulos publicavam textos explicando ou recapitulando  como os poderes do Superman funcionavam ou listando as variedades de kriptonita estabelecidas até então, ou (quase sempre) passando pelo histórico de vários membros da Legião dos Super-heróis. Esses textos preconizavam o tipo de trabalho que apareceriam décadas mais tarde no Who’s Who da DC e o Marvel Universe.

Mas apesar do Universo do Superman se expandir enormemente, ele raramente evoluía, e essa foi uma das razões de sua perdição. Raramente o status quo no mundo do Superman mudava. Grandes mudanças que ocorriam no curso de uma história eram canceladas ou eram apenas sonhos, reveladas como tal no final da mesma história. Na verdade, em muitas histórias, os autores pareciam estar tentando ver o quão longe eles poderiam ir nas mudanças e ainda conseguirem trazer as coisas de volta ao normal no final. Com certeza muitos leitores ficaram espantados quando a Supergirl veio a Terra e não acabou sendo uma impostora ou algo saído da imaginação super-ativa do Superman. E continuou aparecendo regularmente depois. Essa foi a exceção a regra das coisas nunca mudarem.



Em contraste, o início da Marvel revolucionou os quadrinhos de super-heróis fazendo mudanças no status quo que eram tanto reais quanto permanentes. Um personagem de apoio como Junior Juniper em Sgt. Fury realmente morreu; Peter Parker realmente se apaixonou por Betty Brandt e depois se desapaixonou. O casamento de Reed Richards e Susan Storm foi revolucionário em um gênero onde o casamento de Clark Kent e Lois Lane era algo impensável. (Eu acho que Barry Allen nunca teria se casado com Iris West em The Flash se isso não tivesse acontecido primeiro com Reed e Sue)

A maneira que os escritores de Superman na Era de Prata tentaram circunavegar os limites auto-impostos do status quo foi através das histórias chamadas de imaginárias. “Imaginárias” é um termo muito ruim, já que como um número de pessoas engenhosas lembrou, bem, veja, não são todas as histórias ficcionais imaginárias? Talvez seja melhor se referir a elas como “histórias alternativas” dos personagens, apesar de tal termo não ser tão colorido e vívido assim.

Presume-se que um escritor de ficção deseja que seu leitor suspenda a descrença até certo ponto e pense que os personagens e eventos sejam reais. Um leitor não vai ter empatia com o Superman ou com Hamlet (ou com quer que seja) ou sentir qualquer suspense ou preocupação com a sua situação pensando na história apenas como uma coleção de palavras no papel. Então, um personagem contínuo, para que possa parecer “real”, deve ter um histórico coerente  e sem contradições, o qual o escritor pode usar como base para um futuro desenvolvimento e exploração do personagem. Os eventos da história de um personagem formam sua personalidade, assim como os eventos da vida de uma pessoa real afetam a dela.

Então, o Superman tem a sua História “real” e as histórias “imaginárias” exploram alternativas para tal História. Em alguns casos as histórias alternativas mudam eventos que aconteceram no passado do Superman. E se X tivesse acontecido com ele ao invés de Y? Qual seria o resultado? Essa variedade particular das histórias imaginárias de Weisinger vivem hoje no What If? da Marvel.

Em retrospecto, porém, eu acho que as mais intrigantes “histórias imaginárias” do Superman são aquelas que indicam possíveis caminhos futuros para os personagens, resultados do que vinha acontecendo no presente. Várias “histórias imaginárias” eram apresentadas com a afirmação de que os eventos descritos em tais histórias poderiam realmente acontecer em algum tempo do futuro, talvez em um futuro muito próximo.

As duas histórias imaginárias mais famosas do Superman foram recentemente reimpressas em The Greatest Superman Stories Ever Told e fornecem um fascinante contraste. Colocadas lado a lado elas mostram o dia do Superman da Era de Prata em um momento-chave, um tempo que está a beira de uma mudança radical para melhor ou pior. “Superman Red and Superman Blue”, publicado pela primeira vez em Superman 162 (julho de 1963) mostra uma transformação na Terra que poderia acontecer no dia seguinte. “The Death of Superman”, por outro lado mostra um possível desastre, também no futuro.



Para mim, “Superman Red and Superman Blue” é memorável por seu grande conceito, mas não por sua execução, que é absurdamente canhestra e até mesmo em um detalhe, vergonhosa. Um problema sério (ainda que não relacionado) que mina a credibilidade das histórias dos títulos do Superman de Weisinger  é que o Superman, apesar de seus imensos poderes, não altera radicalmente o mundo ao seu redor. Ele não depõe tiranos em outros países, ele não destrói arsenais nucleares e assim por diante (mais recentemente Watchmen e Squadron Supreme – e até mesmo, por mais horrível que tenha sido, Superman IV – lidaram com esse assunto).

“Superman Red and Superman Blue”, por outro lado mostra um Superman que está se torturando por causa de suas constantes falhas de tornar o mundo em um lugar melhor.  Veja só, a dramatização desse dilema deixa a desejar. O Superman recebe um chamado da cidade engarrafada de Kandor e os seus habitantes lhe dão uma bronca porque ele não consegue realizar uma tarefa muito simples, oh, você sabe, eliminar todo o mal da Terra. Ou você resolve isso ou nós vamos arrumar outro Superman para colocar em seu lugar.



Ao invés de abrir a garrafa e despejar ácido sulfúrico nos pequenos bastardos ingratos, o Superman leva isso tudo muito a sério e decide que já que não consegue transformar o mundo em uma utopia sozinho, ele usa a super-ciência para aumentar a sua capacidade cerebral. Inadvertidamente, ele se transforma em dois seres distintos, o Superman Azul e o Superman Vermelho, cada um deles uma centena de vezes mais esperto que o original. E como diz o Vermelho, “duas cabeças pensam melhor que uma”.

As melhores histórias do Superman da Era de Prata são enraizadas em algo muito primitivo e aqui não é diferente. O sentimento que todos já tiveram o pensamento de, “ei, eu poderia ser dois, não é?”, e também a sensação que todos nós temos quando nos deparamos com uma escolha difícil e gostaríamos de poder pegar as duas opções. Agora que ele é duas pessoas, o Superman pode fazer isso. Ele pode casar tanto com Lois quanto com Lana. Também é resolvido o dilema de sua lealdade com o seu planeta natal, Kryton e com o seu lar adotivo, a Terra. Um Superman decide ficar na Terra e o outro migra para Nova Krypton, onde Kandor foi restaurada ao seu tamanho normal.




Quando usa a sua inteligência aumentada para transformar a Terra em uma utopia, o Superman cria um raio que faz uma lavagem cerebral nas pessoas “más” de todo o planeta. Transformando-as em pessoas boas... e tirando deles qualquer direito de livre arbítrio. É claro, isso nunca é questionado na história. Creio que os leitores modernos ficariam estarrecidos com isso. Também me parece haver certa misoginia na história. Quando os Supermen estão decidindo sobre os seus planos de casamento, parece que estão fazendo o equivalente de jogar par ou impar para saber quem casaria com quem, como se os resultados – e as mulheres envolvidas – não importassem. Somente mais tarde cada Superman toma a sua decisão baseada no amor que cada um sentia por cada uma das mulheres em questão.

Alguns dos meios que os Supermen usam para alcançar os seus objetivos são questionáveis, mas o poder da história vem do espetáculo desses dois seres quase divinos transformando um mundo em um paraíso. “Superman Red and Superman Blue” mostra as repercussões dos eventos em todo o universo do Superman, não apenas nos seus personagens de apoio mais diretos, mas também em seus maiores inimigos e na Legião dos Super-heróis, Kandor, Atlantis e na Zona Fantasma, assim como em várias raças alienígenas. (Note, entretanto, que “Superman Red and Superman Blue” ignora totalmente a existência na Terra de super-heróis de outras séries... até mesmo o próprio Batman)

Os sucessos dos Supermen aparecem tanto nos níveis cósmicos quanto nos pessoais. Eliminando o mal, eles na verdade levam de volta a humanidade ao estado espiritual anterior a queda de Adão. Assim eles revertem, de certo modo, toda a História da humanidade e a coloca em um novo e melhor curso. Eles transformaram  um mundo em um paraíso e criaram outros novos para os kandorianos e os atlantes, libertando-os do cativeiro. “Curando” os vilões extraterrestres Brainiac e o Esquadrão de Vingança de sua vilania, de certa maneira os Supermen purificam todo o cosmo. Eles também criam utopias pessoais, regenerando seus inimigos, casando com seus amores verdadeiros, criando lares e sendo pais e se aposentando como super-heróis – ou, em outras palavras, se aposentando de uma vida de luta contínua, porque afinal de contas isso não é mais necessário.



“Superman Red and Superman Blue” é um conto mítico sobre redenção de um mundo, conseguido não através de sacrifício ou tragédia, mas sim através de milagres e boa vontade. É também a história de um homem finalmente escapando da enorme quantidade de problemas que o aflige e colocando a sua vida inteira em ordem. Cada Superman  descarta a sua identidade de Clark Kent quando se casa, como se ele tivesse dessa forma integrado a sua personalidade e não fosse mais dividido. O Superman tem agora um novo tipo de “dupla identidade”, como Vermelho e Azul. Mas tal nova identidade expande o seu potencial, não o restringe, como o reprimido Clark fazia.

Então,  “Superman Red and Supeman Blue” é algo incrível dentro da mitologia do Superman, de um indivíduo que tem a capacidade de remodelar o seu mundo e assim o faz. Os dois Supermen são, na verdade dois seres distintos que criam o paraíso na Terra.


Em grande contraste, “The Death of Superman” mostra o mesmo “Universo do Superman” caindo no abismo. E essa história está longe de ser a única nos títulos do Superman da Era de Prata que tem uma preocupação com a vida de um homem sendo engolida pelo desastre. Na verdade, surpreendentemente, muitas histórias do Superman desse período questionam todo o conceito do gênero do super-herói, enfatizando a impotência do Superman em um cosmo perigoso e instável, como veremos em nossa próxima coluna. (3)

(1) Na época em que o artigo foi publicado a Batmania ainda estava em alta (N.doT.)
(2) Crise havia sido publicada apenas quatro anos antes na época do artigo.O novo Universo DC ainda estava se sedimentando (N. do T.)
(3) Tal coluna logo será postada aqui.



quinta-feira, 18 de setembro de 2014

De Explosão a Implosão




Uma das mais emblemáticas estratégias da Era de Bronze foi o que veio a ser chamada de “DC Implosion”. Assim como a infame idéia da “Coke 2”, existem coisas que não devem ser tentadas. Parece ser uma lei universal que, quase sempre, é ignorada.

A responsável, Jenette Kahn começou  o seu trabalho como publisher na DC em 1976. Uma de suas primeiras decisões foi tentar reverter o grande sucesso da concorrência, a Marvel, que estava cada vez mais abocanhando fatias enormes do mercado.


A ideia, chamada de “DC Explosion", era aumentar o número de páginas das revistas (com um acréscimo de preço também) e tentar inundar o mercado com novos títulos. Foram 57 em apenas quatro anos. Os títulos até então tinham 17 páginas de história. Foram aumentadas para 25 e o preço subiu de 35 centavos para 50. Além disso, foi um outlet espetacular para novas experimentações. Warlord. Beowulf. Stalker. A volta de Tor, de Kubert. Tie-in de séries de TV, como Isis, Super Friends e Welcome Back, Kotter!

O grande problema é que, com a quantidade de títulos disponíveis, eles começaram um processo de canibalização. Independente da qualidade era difícil comprar todos eles.  E sendo sincero, a maioria deles não tinha toda essa qualidade. E os leitores AINDA tinham a Marvel para comprar.

Além disso, em 1978 ocorreu um dos piores invernos que se tem notícia nos Estados Unidos e isso afetou a distribuição. A DC, com a quantidade enorme de títulos, foi a mais prejudicada.

Algo precisava ser feito. Vinte títulos foram abruptamente cancelados. Eles foram:

All Star Comics
Aquaman
Army at War
Batman Family
Battle Classics
Black Lightning
Claw the Unconquered
Doorway to Nightmare
Dynamic Classics
Firestorm
House of Secrets
Kamandi
Mister Miracle
Secret Society of Super Villains
Secrets of the Haunted House
Shade, The Changing Man
Showcase
Star Hunters
Steel, The Indestructible Man
The Witching Hour







Muitas das histórias já estavam prontas e algumas migraram para outros títulos remanescentes, como Aquaman, que terminou as suas histórias em Adventure Comics. Ou alguns foram incorporados a outros, como a vetusta House of Secrets que se fundiu a The Unexpected.

Mas o estrago já estava feito. A DC colocou um lacônico anuncio em suas revistas, falando sobre o que tinha ficado:




Logo todos começaram a chamar toda a experiência de “DC Implosion”. Os executivos da DC mandaram Kahn enxugar a linha: 20 títulos de 40 centavos e seis de um dólar. No final das contas, foram 65 títulos cancelados. A DC, antes do projeto tinha 38. Acabou com 12 a menos do que tinha começado.

Isso nos faz pensar que quanto mais as coisas mudam, mais elas permanecem as mesmas. Os Novos 52 estão aí para provar isso. Cinqüenta e dois títulos, variando de qualidade vertiginosamente. Sim, existem coisas boas, mas achar que a editora teria cinqüenta e dois sucessos é algo extremamente otimista. Pelo menos desta vez, eles cancelam os títulos (e substituem por outros... O número mágico tem que ser mantido).

Quantidade, como Jenette Kahn sentiu na pele, não é sinônimo de qualidade. Mas por outro lado é algo bom, quase darwinistico: sobrevive o mais forte. Foram os casos de títulos como o já citado Warlord (que teve 133 números publicados) ou DC Comics Presents (com 97).




No final, entre mortos e feridos (em minha opinião) uma editora mais forte surgiu da “DC Implosion”. Que foi se tornando melhor até o final da década de setenta e entrou revigorada na de oitenta.

E é isso que importa, na verdade.

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

O Brilho Fugaz do Bronze




O historiador dos quadrinhos Peter Sanderson escreveu uma vez que cada Era dos Quadrinhos se rebela contra a sua antecessora. É um ponto extremamente válido. A Era de Bronze é totalmente diferente da de Prata em conceitos e idéias. A inocência dos quadrinhos de prata acabou e outra visão, mais cínica e realista, do mundo começou a ser mostrada. Uma nova geração de autores tentou dar a sua visão do que vinha acontecendo ao seu redor. Nada mais óbvio. Uma história em quadrinhos, como qualquer forma de entretenimento, é apenas um espelho da sociedade e seus movimentos. Se na Era de Prata o otimismo era o mote principal a Era de Bronze foi como um soco no estômago de muitos leitores.

Afinal, não existia mais a competição espacial, a idéia que os Estados Unidos eram o lar perfeito da liberdade e justiça representado, por exemplo, pelo Superman. O Vietnã aconteceu, jogando na sala de estar da população o conflito, onde os “rapazes” iam morrer em uma selva asiática. Logo viria o assassinato de Martin Luther King. Watergate. E a crise do petróleo. Os autores começaram a perceber que não havia espaço para o Superman jogando boliche com planetas ou tentando escapar de mais uma tentativa de Lois Lane de descobrir sua verdadeira identidade.

Não existe realmente uma data (ou edição) certa para o fim da Era de Prata. É muito mais que algo que se pode demarcar. Zeitgeist, o pensamento dominante que tipifica e influencia a cultura de um determinado período.  Ou seja, assim como as suas antecessoras, a Era de Bronze teve um conjunto de “marcos”. Esses marcos podem pesar mais ou menos, dependendo de quem os estuda. E não há nada errado com isso.

O historiador Will Jacobs diz que (para ele, é claro) a Era de Prata termina com Julius Schwartz, o homem que a iniciou entregando o título Green Lantern (que foi um dos marcos daquela Era) para Denny O’Neil e Neal Adams em 1970. Na década de sessenta o Lanterna Verde era a personificação da era do otimismo, do “nós podemos”. E o que O’Neil e Adams fizeram foi transformá-lo em uma pessoa com dúvidas. “Esses dias se foram – para sempre – os dias que eu era confiante, seguro... Eu era tão jovem... certo que não cometeria nenhum erro!  Jovem e pretensioso. Assim era o Lanterna Verde! Bem, eu mudei... Estou mais velho... talvez mais sábio. Mas muito menos feliz”, diz Hal Jordan em 1973. Isso, na minha opinião, resume o tom da Era de Bronze, naqueles primeiros anos da década de setenta.


O mundo havia, é claro, se tornado mais cínico. Em Amazing Spiderman 122 (1973), Gerry Conway escreveu a história que para muitos seria inconcebível: matar a namoradinha de Peter Parker. Snap. Muitos historiadores dizem que a Era de Prata acabou com esse som, com o pescoço de Gwen Stacy quebrando. A “inocência”, como colocado pelo crítico Arnold T. Blumberg, terminou com o “snap” reverberando por toda a mídia.



Mas muito mais vinha acontecendo. A série de televisão Batman havia terminado, e o Batman estava sendo repaginado. A versão camp foi renegada. Os mesmos O'Neil e Adams trataram de trazer ele de volta as suas origens, um vigilante sombrio. Mort Weisinger, o editor dos títulos do Superman se aposentou, levando com ele todas as histórias mais simples e a sua visão ditatorial . O personagem mais poderoso dos quadrinhos sofreu um downgrade, muito antes de John Byrne fazer  isso em sua minissérie Man of Steel , em 1986.

Enquanto isso, Kirby encerra o que talvez tenha sido a maior parceria dos quadrinhos,  com Fantastic Four 102 (1970) e se muda para a DC, onde desenha, escreve e edita o Quarto Mundo. Kirby até então sempre foi associado a Marvel e a sua saída da editora foi como se  o mundo tivesse acabado para vários leitores. Exagero. Mas foi uma quebra de paradigma, com certeza.




Temas sociais eram apresentados. Uso de drogas, tanto em Amazing Spiderman 96-98 quanto em Green Lantern/Green Arrow 85, ambos de 1971. Ainda em Green Lantern/Green Arrow, a fase que hoje é chamada de “Hard Traveling Heroes”, onde os personagens saem para ver a América e suas desigualdades sociais, racismo e pobreza.



Até mesmo um título inócuo como Superman’s Girlfriend Lois Lane  (número 106, 1970, de Bob Kanigher) apresentou a história “I’m Curious: Black”, onde Lois se transforma em uma mulher negra durante um dia para sentir (literalmente) na pele o racismo enfrentado todo o dia por mulheres negras.




A Era de Bronze também experimentou com personagens que não eram super-heróis. Conan, The Barbarian, a versão de Roy Thomas e Barry Windsor-Smith para o personagem de Robert Howard abriu a porta para vários personagens de espada e feitiçaria durante toda a primeira metade dos anos setenta, tanto na Marvel quanto na DC.



E graças ao relaxamento do Comics Code, mais uma vez os personagens de terror davam as caras em  títulos regulares: Tomb of Dracula, Frankenstein, Monstro do Pântano. Os leitores recebiam, ávidos, todas as releituras apresentadas de seus monstros favoritos. 

A “blaxploitation” foi aproveitada também, com o aparecimento de Luke Cage, Black Lightning e alguns outros. Assim como a febre das artes-marciais. Nada foi deixado escapar durante o início da Era de Bronze. Os autores estavam ansiosos para criar novas experiências dentro do mainstream.

Assim como é difícil determinar quando ela começou, as controvérsias existem também sobre o seu término.  Existem as mais óbvias, como Dark Knight Return e Watchmen, que teoricamente iniciaram a próxima Era, a Moderna. Mas,  com certeza, nem todos os títulos do período saíram da Era de Bronze ao mesmo tempo, assim como nem todos os da Era de Prata passaram para a de Bronze ao mesmo tempo.  Nem poderia ser assim. O importante, creio, é que aos poucos os quadrinhos começaram a tomar uma outra direção. Não para melhor, muito menos para pior.


É apenas mais uma página virada. Literalmente.


segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Com o  logo gentilmente criado pelo nosso amigo Morfeus. 

Sweet dreams are made of this.Who am i to disagree? 





sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Suicídio Cósmico



Warlock é quase como um quadrinho alternativo dentre os super-heróis da Marvel, algo típico da década de setenta. Mas a gênese de Adam Warlock foi em Fantastic Four 66-67, de 1967 nas histórias “What Lurks Behind the Beehive” e “When Opens the Cocoon”, de Stan Lee e Jack Kirby, onde somos apresentados ao ser conhecido como “Ele”. O personagem voltaria em Thor 165-166 (1969), em “Him” e “A God Berserk!”, dos mesmos autores.






Sua origem é típica dos conceitos grandiosos de Kirby. Cientistas de um grupo chamado de “O Enclave” decidiram criar um humano perfeito. Como em todo o Complexo de Frankenstein ele se volta contra os seus criadores. E decide escapar para o espaço.

Ele volta em Marvel Premiere 1 e 2, de 1972, escrito por Roy Thomas e com a arte de Gil Kane. E então que os elementos realmente lisérgicos começam a aparecer. “Ele” encontra o ser (também criado por Lee e Kirby) autodenominado o Alto Evolucionário que o batiza de Adam Warlock e pede a sua ajuda para salvar a Contra-Terra da criatura chamada Man Beast. A Contra-Terra foi criada artificialmente pelo Evolucionário com a ajuda das jóias do infinito como parte de seu “Projeto Alfa”, que pretendia colocar seres purificados nesse planeta.  Mas o mal é introduzido pelo Man Beast, que dá a essa nova humanidade instintos assassinos. A história então se repete, com direito até mesmo da crucificação de Cristo.  Warlock ganha uma “joia espiritual” para ajudá-lo no combate ao Man Beast, joia que prova ser uma arma fabulosa e mais tarde seria tema de várias histórias dentro da editora.






Depois de ficar dois números na Marvel Premiere, Warlock ganha um título próprio, com os primeiros seis números escritos por Roy Thomas (Mike Friedrich escreveria os números 7 e 8). As edições de Thomas tinham várias referências religiosas. A figura de Cristo em Warlock era quase escancarada. O próprio Thomas declarou que ele estava muito influenciado pela opera rock Jesus Christ Superstar, de Andrew Lloyd Webber e Tim Rice, e queria de certa forma ver os conceitos transpostos no contexto dos super-heróis.

Ele declarou a Karen Walker, na Back Issue 34 (TwoMorrows, 2009): 

“Eu tive algumas trepidações sobre os paralelos com Cristo, mas de alguma forma  esperava que tivesse poucos protestos se eu lidasse com isso com respeito e bom gosto, já que não estava fazendo nenhuma declaração sobre a religião... pelo menos não de forma explícita.

Obviamente, nem todos pensam assim. A própria Walker escreveu na mesma Back Issue que a série de Thomas “... continuava a mostrar as tentativas de Adam de expulsar o Man Beast (uma figura de anjo caído) da Contra Terra, mas acabava caindo nas histórias padrão de super-heróis, com referências pseudo bíblicas injetadas nelas. Warlock passa muito tempo tentando convencer o Alto Evolucionário a não destruir o planeta e o resto deste tempo lutando com o Man Beast e seus capangas. Apesar do conceito do super-herói salvador estar presente na maioria das vezes, ele muitas vezes aparece de forma forçada e é certamente contraditória à ideia do salvador pacifista. É questionável se tal conceito pode realmente funcionar em uma mídia que é impulsionada pelo conflito físico.

Em todo caso, a série foi cancelada no oitavo número, com Thomas já tendo abandonado o projeto. Em 1975, o então jovem escritor e desenhista Jim Starlin se interessa pelo personagem e o traz de volta em Strange Tales 178 (depois o personagem voltaria a seu título, a partir do número 9, continuando a numeração anterior). Como Warlock estava longe de ser um dos grandes personagens da editora, ele teve liberdade criativa para fazer basicamente o que quisesse. E Starlin exorcizou vários fantasmas pessoais com o personagem.




Starlin foi fotógrafo da Marinha e serviu no Vietnã na década de sessenta e viu em primeira mão a imbecilidade e a violência da guerra. Suicídio e morte são temas presentes em sua obra. Dois anos antes ele havia criado Thanos, que como o nome indica tem associação óbvia com a morte. Além disso, ele tinha sérios problemas com a religião, outro tema constante em sua obra. De certa maneira, o seu Warlock é um ensaio para o que ele faria mais tarde em sua série autoral Dreadstar.

Em entrevista a Karen Walker ele declarou: “Eu tinha abandonado o título Captain Marvel graças a uma disputa criativa, mas já havia resolvido tal disputa e iria voltar o título. O problema é que outra equipe criativa estava trabalhando lá. Roy Thomas me perguntou que personagem eu gostaria de fazer. Eu fui para casa aquela noite, peguei um punhado de quadrinhos e me deparei com ‘Ele’ em Fantastic Four disse que era aquilo que queria fazer... Eu tinha basicamente transformado o Capitão Marvel, um guerreiro, em um messias. Então, quando peguei Warlock, eu disse para mim mesmo, ‘eu já tenho um messias aqui desde o começo. Para onde posso ir daqui? ’ E eu decidi que um paranoico esquizofrênico era o caminho.

E isso não pode ser mais verdadeiro. Warlock É um esquizofrênico, na acepção mais restrita da palavra. As palavras gregas “skhizein” e “phrén” significam literalmente “dividir” e “mente”.



Warlock encontra a Igreja Universal da Verdade,uma organização religiosa que tem um deus vivo: Magus. E o que Adam descobre é que Magus é, na verdade,  uma versão futura de si próprio. Nada sutil, Mr. Starlin.
Thanos, a criação de Starlin, ajuda combater essa manifestação, mas apesar da ajuda dos Vingadores, Coisa e Homem-Aranha, no final a solução é simples. Warlock comete uma espécie de “suicídio”, absorvendo Magus. Todos esses conceitos eram prenhes de subcamadas que, apesar de ser uma história de super-heróis, têm muito da crítica ferrenha de Starlin a várias instituições. Inclusive a própria Marvel .

Em Strange Tales 181, ele atira em duas vacas sagradas. Stan Lee e John Romita (editor de arte da Marvel na época), transformando-os em palhaços. Em uma tentativa de lavagem cerebral ele encontra Lens Tean (um anagrama de Lee), que tenta mostrar a Warlock o mundo do jeito que ele acha que realmente é e Jan Hatroom (Romita), que tem a incumbência de fazer todos apresentáveis. 




Ou a torre de lixo que os palhaços constroem e que cai todo dia, porque outro elemento é colocado nela... Diamantes. É a maneira de Starlin dizer que no meio de tantas porcarias nos quadrinhos eventualmente alguma gema que vale a pena sempre passa... Mas que, como Tean diz, a torre será reconstruída em seguida, com as mesmas porcarias.



Meta-linguagem? Sim. Mas sutil como um tiro de canhão.  E, com certeza, Warlock de Starlin é um desses diamantes. Esperando para ser encontrado. 

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

“Na minha época era melhor”




“Na minha época era melhor”. É comum lermos isso em grupos de discussão e fóruns sobre quadrinhos internet afora. Lembranças de tempos de leite e mel, onde tudo era melhor, tudo era colorido. Será? Existe algo que chamamos de “memória afetiva”, que nos faz enxergar através das lentes cor-de-rosa do saudosismo. Nostalgia é um sentimento maravilhoso, mas nem sempre as coisas do “meu tempo” eram melhores.  

Algo estranho para ser dito em um lugar chamado “Prata e Bronze”, não é? Um blog que teoricamente se dedica a histórias em quadrinhos das décadas de 50 a 80. Sim. E não. MINHA memória afetiva  (sim, é claro, eu também a tenho) guarda um enorme carinho pelos conceitos, personagens e situações das histórias que li quando criança. É algo normal. Mas não significa que acho que TUDO que foi publicado naquela época é irrepreensível, acima de qualquer crítica... pela única razão de, bem, “na minha época era melhor”.
O importante, por mais óbvio que pareça, é ter senso crítico suficiente para saber (ou admitir) que mesmo fazendo parte de sua infância, pode não ser exatamente algo beirando uma obra de arte, um Shakespeare ilustrado por Michelangelo.

Ok. É gosto. Você pode gostar de absolutamente o que quiser. Você pode gostar de sorvete de jiló com bacon. Não existe mal algum nisso.

Algo que realmente me espanta é a quantidade de leitores que guardam e acumulam edições como figurinhas, histórias lidas muitas e muitas vezes, torcendo o nariz para qualquer coisa moderna. Que  acham que apenas o que gostam é importante, desprezando e rejeitando todo o resto.  Sem dano maior até aí. Apenas para os próprios. Cada um vive no mundo que escolheu. Mas existem casos piores. Alguns desses “fãs” tentam “catequizar” todos nesse gosto. .. Gosto que, mais uma vez, é afetado pelas róseas lentes da memória afetiva.

É impossível não tropeçar em comentários e/ou postagens dessas pessoas desancando coisas que eles nem mesmo leram, simplesmente porque não está no time frame, na sua caixinha sagrada da infância. Alguns até tentam, mas o preconceito é tão grande que não percebem que o que eles têm em mãos é uma VERSÃO de algo. Como tantas outras já feitas. Uma visão dos autores de um personagem. Eles querem ver pela enésima vez o Homem Aranha de Steve Ditko. Ou que alguém mimetize o próprio.  Não querem, nem de graça, ler a versão de Dan Slott do personagem... “No meu tempo, NUNCA deixariam o Doutor Octopus trocar de corpo com o Aranha! Sacrilégio!”


Não entendem que não existe problema em gostar dos dois e não importa que (de novo) versão do personagem seja feita, ainda teremos todas as edições de Ditko. E a de John Romita. E todas as outras. Aliás, adoro o Homem Aranha de Ditko, ele é, PARA MIM o melhor. Mas somente ela presta? É claro que não.

Sou um fã que adora a produção dos quadrinhos americanos das Eras de Prata e de Bronze. . Mas não só isso. Quadrinhos são uma mídia (e principalmente naquela época) de tentativas e erro. Existem histórias muito boas. Outras nem tanto. E outras ainda simplesmente ruins. Acontece. E essa afirmação é válida para TODAS as Eras.

Outra coisa que esses “fãs” não percebem é que várias histórias envelheceram mal. Um exemplo da Era de Bronze: O famoso arco em Avengers 89 a 97 (1971-1972), a Guerra Kree-Skrull, escrita por Roy Thomas. Relendo a história depois de anos a percebi  verborrágica. Com um passo lento. Derivativa. E um dos piores deus ex machina que tenho notícia, com Roy Thomas usando a história para trabalhar com os personagens obscuros da Era de Ouro, que sempre gostou.


Isso significa que não gosto da história? É claro que não. Continuo a adorando pelo que ela é. Mas a idade me fez perceber esses detalhes. Que Thomas usou This Island Earth, um livro  de ficção científica dos anos cinqüenta como base. Ei, ainda acho espetacular o Homem Formiga passeando por dentro do Visão (obviamente Thomas assistiu Viagem Fantástica também) e os desenhos de Neal Adams continuam lindos. Mas não vou dizer que é a melhor coisa que li só porque tive contato com ela quando era criança. É meu sorvete de jiló com bacon, talvez com um molho de cereja. Que sei que não posso empurrar goela abaixo de todos.

Cheguei, depois de certo tempo, a conclusão que “fãs” que tentam fazer isso não são fãs das histórias. São fãs de sua infância. Que não permitem (nem SE permitem) outras idéias, versões ou enfoques das coisas que são caras para eles.  Esquecendo que sempre haverá outras gerações, outros fãs.
Então, é isso basicamente o que é o blog. Uma tentativa de análise destas maravilhosas (ou nem tanto) histórias e personagens das Eras de Prata e Bronze. Sem catequizar. Sem dizer que “no meu tempo era melhor”. Somente lembrando esses sonhos de quatro cores que se renovam todo mês nas bancas de todo o mundo.

O sorvete está pronto... Deixem-me fritar o bacon.