Prata e Bronze

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Suicídio Cósmico



Warlock é quase como um quadrinho alternativo dentre os super-heróis da Marvel, algo típico da década de setenta. Mas a gênese de Adam Warlock foi em Fantastic Four 66-67, de 1967 nas histórias “What Lurks Behind the Beehive” e “When Opens the Cocoon”, de Stan Lee e Jack Kirby, onde somos apresentados ao ser conhecido como “Ele”. O personagem voltaria em Thor 165-166 (1969), em “Him” e “A God Berserk!”, dos mesmos autores.






Sua origem é típica dos conceitos grandiosos de Kirby. Cientistas de um grupo chamado de “O Enclave” decidiram criar um humano perfeito. Como em todo o Complexo de Frankenstein ele se volta contra os seus criadores. E decide escapar para o espaço.

Ele volta em Marvel Premiere 1 e 2, de 1972, escrito por Roy Thomas e com a arte de Gil Kane. E então que os elementos realmente lisérgicos começam a aparecer. “Ele” encontra o ser (também criado por Lee e Kirby) autodenominado o Alto Evolucionário que o batiza de Adam Warlock e pede a sua ajuda para salvar a Contra-Terra da criatura chamada Man Beast. A Contra-Terra foi criada artificialmente pelo Evolucionário com a ajuda das jóias do infinito como parte de seu “Projeto Alfa”, que pretendia colocar seres purificados nesse planeta.  Mas o mal é introduzido pelo Man Beast, que dá a essa nova humanidade instintos assassinos. A história então se repete, com direito até mesmo da crucificação de Cristo.  Warlock ganha uma “joia espiritual” para ajudá-lo no combate ao Man Beast, joia que prova ser uma arma fabulosa e mais tarde seria tema de várias histórias dentro da editora.






Depois de ficar dois números na Marvel Premiere, Warlock ganha um título próprio, com os primeiros seis números escritos por Roy Thomas (Mike Friedrich escreveria os números 7 e 8). As edições de Thomas tinham várias referências religiosas. A figura de Cristo em Warlock era quase escancarada. O próprio Thomas declarou que ele estava muito influenciado pela opera rock Jesus Christ Superstar, de Andrew Lloyd Webber e Tim Rice, e queria de certa forma ver os conceitos transpostos no contexto dos super-heróis.

Ele declarou a Karen Walker, na Back Issue 34 (TwoMorrows, 2009): 

“Eu tive algumas trepidações sobre os paralelos com Cristo, mas de alguma forma  esperava que tivesse poucos protestos se eu lidasse com isso com respeito e bom gosto, já que não estava fazendo nenhuma declaração sobre a religião... pelo menos não de forma explícita.

Obviamente, nem todos pensam assim. A própria Walker escreveu na mesma Back Issue que a série de Thomas “... continuava a mostrar as tentativas de Adam de expulsar o Man Beast (uma figura de anjo caído) da Contra Terra, mas acabava caindo nas histórias padrão de super-heróis, com referências pseudo bíblicas injetadas nelas. Warlock passa muito tempo tentando convencer o Alto Evolucionário a não destruir o planeta e o resto deste tempo lutando com o Man Beast e seus capangas. Apesar do conceito do super-herói salvador estar presente na maioria das vezes, ele muitas vezes aparece de forma forçada e é certamente contraditória à ideia do salvador pacifista. É questionável se tal conceito pode realmente funcionar em uma mídia que é impulsionada pelo conflito físico.

Em todo caso, a série foi cancelada no oitavo número, com Thomas já tendo abandonado o projeto. Em 1975, o então jovem escritor e desenhista Jim Starlin se interessa pelo personagem e o traz de volta em Strange Tales 178 (depois o personagem voltaria a seu título, a partir do número 9, continuando a numeração anterior). Como Warlock estava longe de ser um dos grandes personagens da editora, ele teve liberdade criativa para fazer basicamente o que quisesse. E Starlin exorcizou vários fantasmas pessoais com o personagem.




Starlin foi fotógrafo da Marinha e serviu no Vietnã na década de sessenta e viu em primeira mão a imbecilidade e a violência da guerra. Suicídio e morte são temas presentes em sua obra. Dois anos antes ele havia criado Thanos, que como o nome indica tem associação óbvia com a morte. Além disso, ele tinha sérios problemas com a religião, outro tema constante em sua obra. De certa maneira, o seu Warlock é um ensaio para o que ele faria mais tarde em sua série autoral Dreadstar.

Em entrevista a Karen Walker ele declarou: “Eu tinha abandonado o título Captain Marvel graças a uma disputa criativa, mas já havia resolvido tal disputa e iria voltar o título. O problema é que outra equipe criativa estava trabalhando lá. Roy Thomas me perguntou que personagem eu gostaria de fazer. Eu fui para casa aquela noite, peguei um punhado de quadrinhos e me deparei com ‘Ele’ em Fantastic Four disse que era aquilo que queria fazer... Eu tinha basicamente transformado o Capitão Marvel, um guerreiro, em um messias. Então, quando peguei Warlock, eu disse para mim mesmo, ‘eu já tenho um messias aqui desde o começo. Para onde posso ir daqui? ’ E eu decidi que um paranoico esquizofrênico era o caminho.

E isso não pode ser mais verdadeiro. Warlock É um esquizofrênico, na acepção mais restrita da palavra. As palavras gregas “skhizein” e “phrén” significam literalmente “dividir” e “mente”.



Warlock encontra a Igreja Universal da Verdade,uma organização religiosa que tem um deus vivo: Magus. E o que Adam descobre é que Magus é, na verdade,  uma versão futura de si próprio. Nada sutil, Mr. Starlin.
Thanos, a criação de Starlin, ajuda combater essa manifestação, mas apesar da ajuda dos Vingadores, Coisa e Homem-Aranha, no final a solução é simples. Warlock comete uma espécie de “suicídio”, absorvendo Magus. Todos esses conceitos eram prenhes de subcamadas que, apesar de ser uma história de super-heróis, têm muito da crítica ferrenha de Starlin a várias instituições. Inclusive a própria Marvel .

Em Strange Tales 181, ele atira em duas vacas sagradas. Stan Lee e John Romita (editor de arte da Marvel na época), transformando-os em palhaços. Em uma tentativa de lavagem cerebral ele encontra Lens Tean (um anagrama de Lee), que tenta mostrar a Warlock o mundo do jeito que ele acha que realmente é e Jan Hatroom (Romita), que tem a incumbência de fazer todos apresentáveis. 




Ou a torre de lixo que os palhaços constroem e que cai todo dia, porque outro elemento é colocado nela... Diamantes. É a maneira de Starlin dizer que no meio de tantas porcarias nos quadrinhos eventualmente alguma gema que vale a pena sempre passa... Mas que, como Tean diz, a torre será reconstruída em seguida, com as mesmas porcarias.



Meta-linguagem? Sim. Mas sutil como um tiro de canhão.  E, com certeza, Warlock de Starlin é um desses diamantes. Esperando para ser encontrado. 

5 comentários:

  1. Fantástico artigo. Deu vontade de ler todas as histórias mencionadas.

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  2. A saga de Adam Warlock é fantástica. E é Jim Starlin em sua melhor forma!

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    1. Starlin é fantástico mesmo, Carlos. E seu Warlock é excepcional. Grato pela visita.

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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