Prata e Bronze

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

A Tumba de Dracula, Tom Field


Em 2004, para comemorar os 25 anos do encerramento de  Tomb of Dracula, um dos títulos de terror mais cult de todos os tempos, a Back Issue número 6, da editora TwoMorrows publicou uma extensa matéria sobre a obra máxima de Marv Wolfman e Gene Colan, escrita por Tom Field. Aqui a tradução de uma parte dela. 


Happy Halloween!





Ninguém sabia.
O editor da Marvel Comics na época, Stan Lee, que decidiu em 1971 que Dracula deveria ser o primeiro monstro na história dos quadrinhos a estrelar a sua própria série, não sabia. Nem Roy Thomas e Gerry Conway que produziram a estréia do Senhor dos Vampiros.

Também não sabia o artista veterano Gene Colan, que queria tanto o trabalho em Dracula que fez um teste para consegui-lo. Nem mesmo Marv Wolfman que relutantemente assumiu o título no número sete e então viu a revista – e a sua carreira – decolar como o proverbial morcego saindo do inferno.
Muitos  dizem que a série foi a avó do selo Vertigo, mas quem poderia saber?

Ninguém sabia que Tomb o f Dracula (TOD), que começou como mais um título aproveitando a onda de terror, duraria oito anos e 70 números e daria luz a uma horda de personagens memoráveis, quatro filmes derivados e uma base de fãs devotados que hoje celebra TOD como o melhor título de horror dos anos setenta. E talvez o melhor quadrinho daquela época. Ponto.

Hoje, 32 anos após a sua estréia, TOD e seus criadores continuam tendo seguidores leais e uma série que terminou  há tanto tempo continua a atrair novas gerações de fãs graças a reimpressões e aos filmes com um personagem de TOD, Blade, o Caça Vampiros. Em 2002, aproveitando Blade II, a Marvel lançou um encadernado reimprimindo TOD 45-53 – o confronto de Blade com o arqui-vilão Deacon Frost. Tal coleção foi seguida em 2003 pelo primeiro volume de The Essential Tomb of Dracula, que reimprimiu os números 1 a 25, além de Giant-Size Dracula 1. A edição vendeu tão bem que no meio de 2004 a Marvel lançou o segundo volume do Essential (com TOD 26-49 e Giant-Size Dracula 2-5, Nada mau para um título que havia acabado vinte e cinco anos antes.

Para comemorar a notável longevidade – e honrar os criadores que deram vida ao personagem  - vamos examinar a história da revista de terror que fez História.

O Nascimento de Dracula

Savage Tales parece que foi um sucesso tão grande que nós vamos publicar mais uma nos mesmos moldes, uma belezinha custando 50  centavos chamada de The Tomb of Dracula (ou The House of Dracula, nós não decidimos ainda). É um conceito totalmente novo, estrelando o próprio Dracula, como ele é – era – e talvez venha a ser. Com arte de Gene Colan, Berni(e) Wrightson e Gray Morrow, entre outros, e um time de escritores titânicos, capitaneados pelos Mestres da Marvel, Stan Lee e Roy Thomas! Modéstia a parte, é algo que vocês não podem perder!

“Item”,  Marvel Bullpen Bulletins, 1971.

Por incrível que pareça, Tomb of Dracula deve a sua existência ao Comics Code Authority. Quando o código foi afrouxado em 1971, vampiros, lobisomens e outros monstros puderam ser usados novamente nos quadrinhos comuns. A Marvel testou o mercado com Morbius, o Vampiro Vivo, apresentado como vilão em Amazing Spider-man 101. Quando o sanguessuga “real” provou ser um sucesso, Stan Lee – sempre ansioso para antecipar a próxima grande tendência – mandou que se criasse uma linha inteira de quadrinhos de monstro, com os personagens mais conhecidos: o monstro de Frankenstein, um lobisomem ... e Dracula.

Apesar do lobisomem aparecer primeiro – Werewolf By Night estreou em Marvel Spotlight 2 (Fevereiro de 1972), ganhando de TOD 1 por dois meses, Dracula sempre foi a ideia de ser a estrela de horror da Marvel. Sua estréia foi anunciada quase um ano antes em um Bullpen Bulletins (veja acima), como o segundo título maduro da Marvel e seria publicado em preto e branco e em formato magazine.


Mas não foi bem assim. Três meses após o anúncio inicial (e depois do “sucesso tão quente”, Savage Tales, ter parado de ser publicada depois de apenas um número), a Marvel declarou que TOD seria um quadrinho colorido no formato regular, com 52 páginas e ao preço de 25 centavos. Logo em seguida, o título foi reduzido ainda mais uma vez para 32 páginas a 20 centavos.
E o projeto teria um novo escritor – o mais jovem roteirista da Marvel, Gerry Conway. Apesar de ter apenas dezenove anos na época, Conway  já tinha um currículo impressionante, com trabalhos em Daredevil, Sub-Mariner e Thor. Então não foi apenas sorte que fez que o tão falado projeto caísse em suas mãos.

E apesar de Conway ter recebido o crédito por ter escrito TOD 1 sozinho, ele teve ampla ajuda de Lee e Thomas lembra da origem do título: “Eu fiz o roteiro de TOD 1 baseado em algumas frases de Stan e então dei a Conway para que ele colocasse o diálogo”. Na época, Lee estava escrevendo cada vez menos, se preparando para ser o próximo publisher da Marvel, então essa explicação faz sentido. E Thomas, que foi escolhido a dedo para ser o seu sucessor como o escritor principal da editora, não tinha nenhum interesse de escrever novos títulos de monstro. “Eu não curtia muito terror”, diz Thomas. “Gerry curtia e foi por isso que ele acabou fazendo os diálogos de meus roteiros nas primeiras histórias de Tomb of Dracula, “O Homem-Coisa (em Savage Tales 1) e Werewolf by Night.

Para estabelecer o Dracula da Marvel, Thomas claramente usou os monstros da Universal de sua juventude na década de quarenta. O seu roteiro básico para TOD 1: Frank Drake, descendente do lendário conde, herda o Castelo Dracula (bem aos moldes do filme Son of Frankenstein). O “amigo” de Drake, Clifton Graves, monta um esquema para transformar o castelo em uma atração turística, e os dois – junto com Jeanie, a noiva de Frank, que por acaso também é a ex de Clifton – viajam para a Transilvânia para os preparativos. Lá, enquanto trama para matar Frank, ficar novamente com Jeanie e enriquecer rapidamente com o castelo, Clifton encontra por acaso a tumba de Dracula. Ele abre o caixa, acha os ossos arranca a estaca (como Karloff em House of Frankenstein) e logo em seguida... Dracula vive! 

Conway declara que ele não fez nada em TOD 1 até que a história estivesse completamente desenhada e tentou distinguir-se com uma prosa rebuscada. “Eu tentei usar um estilo de escrita um tanto sombrio e misterioso – ok, pretensioso, vamos dizer”, ri Conway, hoje um escritor de televisão. 
“Quer dizer, eu tinha dezenove anos – o que eu poderia saber?”

O artista Gene Colan, por outro lado, tinha 45 anos e era fã de terror de longa data (desde os cinco anos, quando ele foi aterrorizado por uma matine de Frankenstein, com Boris Karloff), e ele viu Dracula como um trabalho dos sonhos. Um ilustrador conhecido por sua exuberante representação da expressão humana, Colan tinha uma experiência extensa em todos os gêneros de quadrinhos, incluindo passagens memoráveis por em Hopalong Cassidy nos anos 50 na DC e nos quadrinhos de terror em preto e branco da Warren no meio dos anos sessenta.  Mas sua fama veio realmente na época dourada do início da Marvel, desenhando Iron Man, “Namor” (em Tales to Astonish) e especialmente Daredevil, o qual ele vinha desenhando desde 1966, se estabelecendo claramente como o artista definitivo do Demolidor. Mas em 1971 Colan estava claramente entediado e queria um novo desafio. Então, quando ele ficou sabendo nos corredores da editora que a Marvel ia publicar Dracula ele decidiu que ele queria desenhá-lo. “Stan, eu realmente estou te implorando isso”, Colan lembra ter dito a seu chefe – o que foi surpreendente para uma artista que sempre ficou na sua e desenhava o que lhe mandavam.  Quando Lee perguntou o porquê, Colan respondeu: “Porque eu sei que é algo que eu vou adorar fazer”.

De acordo com Colan, Lee prometeu Dracula a ele, mas depois esqueceu e o mesmo trabalho a Bill Everett. Sabendo da confusão, Colan lembrou Lee o acordo verbal que haviam feito. Mas não adiantou. O trabalho agora era de Everett. Devastado, Colan se resignou. Mas sua esposa Adrienne não. Inspirado por histórias sobre Marlon Brando, que tinha colocado algodão nas bochechas e fez o teste para O Poderoso Chefão, depois que o estúdio disse a ele que “ele não se encaixava no papel”, Adrienne insistiu que Gene fizesse um teste para Dracula. E ele fez. Ele trabalhou em uma página inteira, lápis e tinta (e aguada), em um estudo de um Dracula com cabelos e barba negros, incluindo um retrato do conde e uma montagem do rei dos vampiros em diferentes poses (ver abaixo). Ele baseou sua interpretação não em nenhuma das interpretações clássicas de Bela Lugosi ou Christopher Lee, mas sim no ator Jack Palance, que impressionou Colan com seu desempenho como o Dr. Jeckyll/Mr. Hyde no filme para TV de 1968 produzido por Dan Curtis. “Ele tinha aquela aparência cadavérica, aquele olhar de serpente no rosto”, diz Colan. “Eu sabia que Jack Palance seria um Dracula perfeito.” (o que aconteceu mais tarde, em 1974, quando ele fez um filme para TV para o mesmo Curtis). “Eu mandei a montagem para Stan e na manhã seguinte ele me ligou e disse apenas: ‘É seu’”, diz Colan. “E foi isso!”




Não mesmo. Além de desenhar TOD, Colan também queria fazer a arte-final – o que ele raramente tinha feito para a Marvel. No começo Lee resistiu. Afinal, o valor de Colan era de um desenhista que fazia o lápis de múltiplos títulos, não um artista completo em apenas um – mas no final ele aceitou. Conway lembra que Lee decidiu assim porque TOD era para ser um título preto e branco, em formato magazine, e Stan sabia que Colan era um mestre em aguadas de nanquim. “O trabalho de Gene, quando ele o arte-finaliza, fica melhor quando ele usa aguadas – ele faz sombras e formas cheias de nuances.”, diz Conway. “ [Lee] provavelmente não daria o pode para Gene finalizar a si mesmo se [TOD] fosse um título colorido normal desde o princípio, porque o detalhismo de linha de Gene não se adapta muito bem ao processo de impressão padrão.”







É verdade. Quando o título foi convertido para cores, a arte de Colan apareceu sem a aguada e o resultado (que não foi culpa de Colan) foi suprimido, como aponta Conway. E apesar de Colan ter feito o lápis das setenta edições de TOD, ele nunca mais fez a arte-final de outra além da primeira.
Abril de 1972: A estréia. Finalmente, após nove meses de preparação e antecipação. TOD 1 com uma memorável capa de Neal Adams (com um Dracula que, francamente, lembra bem pouco o personagem que vemos dentro da revista) foi lançada. E a reação inicial foi... morna. O título vendeu bem o suficiente para justificara sua continuação, com certeza. Acontece isso com a maioria dos primeiros números. Mas as primeiras cartas dos fãs, que foram impressas em TOD 3 e 4, incluíam várias reclamações sobre a versão da Marvel para Dracula. O roteiro parecia derivativo, a arte contida, alguns leitores disseram. Outros não gostaram da cor pálida, quase branca de Dracula, ou como a sua mordida criava vampiros quase instantaneamente (ao contrário da costumeira espera de três dias). Uma fã, Margareth McClelland Watson, de Urbane, Illinois, que se alto descreveu como uma candidata ao doutorado em História Medieval dos Estados Bálcãs, escreveu uma longa carta detalhando como toda a versão vampiresca da Marvel estava errada. 

Mas alguns fãs perceberam que TOD prometia. Entre eles um jovem de Louisville, Kentucky chamado David Michelinie, que pouco tempo depois faria seu nome nos quadrinhos, como escritor. Em sua carta em TOD 3, Michelinie escreve: “ a única coisa que eu gostei sem restrições no primeiro número foi o potencial de um conceito genial. Uma revista de terror com uma história inteira e inédita, com um personagem principal contínuo (e sendo um monstro!) é algo novo no mundo dos quadrinhos de hoje, e muito pode ser feito. Histórias escritas inteligentemente sobre os feitos, viagens e aventuras do vampiro, tanto na sombria Transilvânia quanto ao redor do mundo pode ser extremamente divertidas e inovadoras, como tem sido o trabalho de vocês com aquele bárbaro, Conan.”

Para fechar, Michelinie escreve profeticamente: “Deixe-me dizer que vocês tem uma história muito boa – se vocês fizerem as coisas do jeito certo.”

Dores de Crescimento

Se a Marvel tinha um plano-mestre para Tomb of Dracula, isso não é evidente nos primeiros seis números.
Começando no número 2, TOD sofreu a primeira de uma série de mudanças sísmicas que chacoalharam o título durante todo o seu primeiro ano. Primeiramente, o título foi promovido de trimestral para bimestral, mas o número de páginas de história foi podado de 25 para 21 e depois para 20. E apesar de Conway assumir alegremente o argumento além do diálogo a partir do segundo número, Colan relutantemente desistiu de fazer a arte-final, que foi entregue para... Vince Colletta.
Imaginem o choque dos leitores quando foram do trabalho completo de Colan em TOD 1 para a colaboração não muito confortável entre Colan e Colletta no número 2. Então imaginem o choque do próprio Colan quando viu os seus personagens cuidadosamente construídos e seus cenários suaves e detalhados apagados por Colletta, o falecido arte-finalista a jato, cujos atalhos artísticos sempre geraram controvérsia. “Eu não gostei da sua interpretação de meu trabalho”, diz Colan sobre Colletta. “Ele estragou tudo”. Colan entendia porque os editores gostavam de Colletta, que finalizou as primeiras histórias de Namor desenhadas por Colan. “Eles podiam dar um trabalho a ele e ele conseguia entregar no dia seguinte”, ele diz. Mas é claro, Colan não gostou dos resultados. “Eu trabalhava muito em minha arte. Por que alguém viria e... a destruiria? “

Conway compartilha a opinião de Colan sobre o trabalho de Colletta em TOD. “Eu não acho que Vinnie acrescentou nada ao projeto”, ele diz. “Ele era apenas um daqueles caras que pegavam muito trabalho, e ninguém nunca entendeu a razão. Ele podia trabalhar muito rápido, mas é claro que o que você recebia não era o mesmo que o desenhista colocava no papel. Isso era muito desapontador.”
A história no número 2 também foi bem diferente da do número 1, com menos influência dos monstros da Universal e mais dos filmes britânicos de terror da Hammer, que Conway preferia. “Meu filme de terror favorito foi, por muitos anos Horror of Dracula (o primeiro filme da Hammer com Dracula) , aquele com Christopher Lee como Dracula e Peter Cushing como Van Helsing”, diz Conway. “Eu o assisti pela primeira vez em minha sociedade de cinema na escola secundária e até a versão de Coppola eu acho que foi o Dracula mais interessante que eu já vi.”






Assim como a Hammer acabou introduzindo Dracula na Inglaterra do século vinte, Conway em TOD 2 mudou os personagens da Transilvânia rural para a Londres descolada dos anos setenta. O plot básico: Frank Drake salva Clifton Graves e com ajuda de um brutamontes mudo chamado Gort – um personagem que desapareceu da história tão rápida e inexplicavelmente quanto entrou – rouba o caixão de Dracula, escondendo-o em Londres por razões nunca explicadas.

Lá os homens são surpreendidos pela aparição da vampira Jeanie no banheiro do seu quarto de hotel. Ela facilmente seduz Clifton, que droga Drake para que Dracula (revigorado depois de uma noite na cidade) possa entrar e recuperar seu caixão. Drake acorda, uma briga acontece, e enquanto Dracula acaba escapando sem o seu caixão, 

E então Conway, que agora firmemente exerceu a sua influência na direção de TOD... deixa o título. A razão: fadiga. Sobrecarregado com seus trabalhos – o Bullpen de maio de 1972 nota que Conway escrevia seis dos dezoito títulos da Marvel, ou seja, mais ou menos 120 páginas – e ele tinha que deixar algo de lado. “Era muito trabalho, mesmo para um menino de dezenove anos que não tinha noção de proporção”, diz Conway. E, além disso, ele estava para enfrentar um dos maiores desafios da Marvel – tomar o lugar de Stan Lee como o escritor de Amazing Spider-man. “Certamente era um titulo muito mais importante para se concentrar”, ele diz.

Se Conway tivesse ficado em TOD, ele diz “minha ideia era fazer dele mais um título de terror. Existiam  elementos de super-heróis, que era uma premissa fantástica,e nós tínhamos Dracula como a estrela, com uma equipe tentando derrubá-lo” E apesar dele não lembrar de idéias específicas para a série, Conway diz “se você realmente quer ver onde eu poderia ter chegado com TOD, olhe Werewolf By Night, que eu escrevi por muitos números. Aquele [título] refletia mais o meu gosto.”

Com o número 3, o novo escritor de TOD foi Archie Goodwin, o muito respeitado ex-escritor e editor da Warren, que também ficou por apenas dois números. Mas na sua curta passagem, Goodwin transformou Clifton Graves no assecla de Dracula e introduziu dois grandes personagens que tiveram um papel significativo na série. Os caçadores de vampiro Taj Nital (um indiano mudo) e Rachel Van Helsing, a descendente de um dos mais antigos inimigos de Dracula.

Também vindo a bordo em TOD 3 foi o arte-finalista Tom Palmer, que tinha tido resenhas muito boas sobre o seu trabalho anterior com Colan , Doctor Strange. Um mestre de sombras e linhas delicadas, ele sempre deixava o trabalho que finalizava ainda melhor. Palmer era o “anti-Colletta” – combinando maravilhosamente com o lápis de Colan – e logo ele se transformou no arte-finalista permanente da série, recebendo o merecido reconhecimento como umas das forças criativas principais de Tomb of Dracula.




Ah, e outra mudança no número 3: Dracula perdeu a sua barba. Apenas perdeu, sem explicações. Nenhum dos criadores principais se recorda hoje exatamente porque a barba foi eliminada, mas Colan acha que a escolha pode ter sido dele. “Eu não gostava do cavanhaque – Dracula não parecia bem com ele”, diz Colan. “Então eu me livrei dele e deixei apenas um pequeno bigode”. Vale a pena notar, entretanto, que examinando a arte original de TOD, é claro que Colan desenhou a barba nos números 3 e 4, mas Palmer, por alguma razão, não passou a tinta.É uma escolha capilar que permanece até hoje um pequeno mistério.

No número 5, o ex-escritor da DC Gardner Fox entrou para uma passagem de dois números medíocres que brincavam com os mesmo temas lovecraftianos de sua igualmente curta passagem por Doctor Strange. Mas Thomas, que tinha se tornado o editor da Marvel – achou que Fox não combinava com TOD (ou com a Marvel, ponto), então ele logo foi substituído por um jovem escritor que também tinha acabado de migrar da DC. Começando no número 7, o Senhor dos Vampiros seria escrito por Wolfman.

Um “Homem Lobo” a Espreita

Marv Wolfman precisava de Tomb of Dracula da mesma forma que o titubeante título precisava de Wolfman.

Apesar de ele ter feito a difícil transição de fã para um profissional no fim dos anos sessenta – ele e seu amigo de infância Len Wein estavam entre os primeiros a fazer tal transição – Wolfman realmente não havia se distinguido. Ele tinha escrito e editado alguma coisa para a DC, Warren e Skywald. Mas pelo início de 1972 Wolfman era conhecido pelo trabalho que lhe custou o emprego- a controversa história de 1969 em Teen Titans, “Jericho”, que por causa de seus tons teve que ser reescrita e redesenhada e fez que Wolfman e Wein fossem colocados na lista negra da DC por um tempo. Atraído por Thomas para ser editor da nova linha em preto e branco da Marvel, ele esperava usar essa posição como catapulta para conseguir uma posição garantida de escritor fixo. Sua primeira tentativa foi o título que havia sido revivido, Captain Marvel, que ele escreveu (segundo sua própria descrição) por alguns números, todos eles sem graça. Então ele pediu Doctor Strange, mas o título não estava disponível. Mas lhe ofereceram TOD.

“Eu não queria escrever aquilo”, Wolfman lembra. Ele não era fã de terror (e na verdade tinha certo receio do gênero), nunca havia visto um filme de  Dracula e sabia que TOD estava um tanto estremecida graças as várias mudanças.

Ainda assim, Wolfman reconheceu uma oportunidade para escrever algo com quase total liberdade editorial e usar TOD para desenvolver a sua própria voz e estilo, sem ter que sofrer comparações com Stan e Roy. “Eu acho que ninguém esperava que TOD  tivesse sucesso, então ninguém me induziu a nada”, lembra Wolfman.
Mas tal liberdade era temperada com um saudável medo do fracasso. “Eu não queria destruir o título completamente”, diz Wolfman. “Sabia que isso provavelmente era meu teste de fogo na Marvel. Se não desse certo, eu estaria fora.”

Se preparando para o trabalho, Wolfman releu Dracula, de Bram Stoker , que para ele era tanto sobre os caçadores de vampiros quanto o próprio Dracula. Inspirado, Wolfman introduziu mais dois caçadores em TOD 7: Quincy Harker, o filho do protagonista de Stoker, Jonathan Harker, e relegado a uma cadeira de rodas e a filha de Quincy, Rachel. Os Harkers, juntamente com Frank Drake, Rachel Van Helsing e Taj, formariam um poderoso grupo que seria desenvolvido com o tempo por Wolfman. E eles seriam tão explorados quanto o próprio Dracula.

Com o número 7, uma edição calma para iniciar as coisas, a equipe criativa principal, Wolfman/Colan/Palmer, foram reunidos pela primeira vez – mas não por muito tempo. Começando com o número 8, Palmer tirou uma folga de quatro números e foi substituído por três arte-finalistas em seqüência:  Ernie Chan, no 8, Colletta novamente no 9 e Jack Abel no 10 e 11 – que não caíram bem com Colan ou com o próprio título.



O número de Colletta – o terceiro de Wolfman – quase se tornou o último do escritor. O problema começou quando Wolfman viu as páginas finalizadas de TOD 9 e as comparou com o lápis de Colan (a edição mostrava Dracula interagindo com os residentes de uma pequena cidade pesqueira do Reino Unido) e percebeu que o finalista tinha apagado virtualmente todos os cenários exuberantes desenhados por Colan.
Louco da vida (“Esse é um dos melhores trabalhos que Gene já fez!”), Wolfman confrontou Colletta, que parece ter negado a sabotagem – e então reclamou de Wolfman para Stan Lee, que convocou o nervoso jovem escritor para uma explicação. Felizmente, Wolfman tinha guardado fotocópias das páginas a lápis de Colan, e quando as comparou com as páginas finalizadas por Colletta, Lee concordou que ele tinha tomado “atalhos criativos” inaceitáveis. As páginas finalizadas foram entregues 

para serem restauradas, Colletta removido do título (ele nunca mais finalizaria outra TOD) e Wolfman deu um enorme suspiro de alívio porque ele tinha enfrentado um veterano dos quadrinhos e ficado incólume, retendo seu trabalho. “Ainda bem que Stan escolheu ficar com a qualidade do título”, diz Wolfman.

Curiosamente, esse número trazia uma história da amizade de conveniência entre Dracula e David, um jovem cheio de conflitos que morava em Liverpool. Foi a primeira na qual Wolfman sentiu que tinha domínio de Dracula e dos outros personagens principais. Para ter sucesso, Wolfman percebeu TOD não poderia ser apenas sobre Dracula, e Dracula não poderia ser mostrado unicamente como um vilão. Os leitores tinham que ser capazes de ter simpatia – pelo menos um pouco – pelo personagem-título.

Em seguida, no número 10, Wolfman apresentou Blade, o Caça Vampiros, o vigilante afro-americano que acabou estrelando vários títulos da Marvel além de três filmes com Wesley Snipes. De acordo com Wolfman, que perdeu uma batalha legal contra a Marvel pelo personagem, ele o criou anos antes de entrar na editora e acabar em TOD. É claro, não havia lugar melhor para estrear um matador de vampiros  que Tomb of Dracula? E quem melhor que Colan para ajudá-lo a dar vida a Blade? Colan lembra as primeiras discussões que ele teve sobre Blade com Wolfman.”Marv disse-me que Blade era um homem negro e nós conversamos como ele deveria se vestir, como ele deveria parecer – muito heróico”, diz Colan que baseou a sua representação de Blade em um amálgama de vários atores afro-americanos, incluindo e o ex-jogador de futebol Jim Brown.



“Marv pode ter dito: ‘Coloque as botas nele’, eu não me lembro”, Colan acrescenta. “O cinturão com lâminas – isso foi ideia de Marv. Mas eu o vesti, coloquei uma jaqueta de couro nele, e assim por diante”.





Desde o início os dois criadores sentiram que Blade era um personagem especial, e eles o mantiveram como um dos principais da série, fazendo-o caçar tanto Dracula quanto Deacon Frost, o vampiro de cabelos brancos que matou a mãe de Blade. Colan é especialmente orgulhoso da criação de Blade. “Eu sabia que ele era bom”, diz Colan. “Os negros não eram tão representados nos quadrinhos naquela época, então eu queria ser um dos primeiros a mostrá-los nos quadrinhos. Eu gostei disso”.
Mas apesar do entusiasmo trazido pela introdução de Blade, Wolfman acredita que o verdadeiro divisor de águas da série foi o número 12 – o início de uma história de três partes que incluía a morte chocante de uma grande personagem, a origem de Blade e a primeira morte e volta de Dracula na série. “Foi nesse arco que eu finalmente entendi o título”, diz Wolfman. Era sobre os personagens- Dracula e seus perseguidores, apesar de nem sempre nessa ordem e como eles se desenvolveram e cresceram. A chave para a série, Wolfman percebeu , era entender como os personagens interagiam e mudavam – então executar essas mudanças. “Dentro de pouco tempo, eu tinha feito o plot para dois anos do título”, diz Wolfman. “Eu não sabia necessariamente dos detalhes das histórias, mas eu sabia como os personagens cresceriam de número para número.”



E o número 12 também marca a volta do arte-finalista Tom Palmer e o início de uma série de 59 números consecutivos de Wolfman/Colan/Palmer – um número impressionante, mesmo hoje. Colan estava feliz em ter um mesmo arte-finalista – especialmente Palmer que era um dos seus favoritos de todos os tempos. “Eu gostava muito do trabalho de Tom”, diz Colan. “Tinha peso e ele colocava tudo o que eu gostava – bem no estilo de [cartunista Milton] Canniff. O meu trabalho não é fácil de ser seguido, e ele deve ter sofrido bastante. Mas Tom também é um ilustrador, fazendo muita arte comercial. Então, ele era mais que adequado para isso”.

E apesar de Colan ter trabalhado apenas uma vez com Wolfman antes de TOD, em uma história curta para uma antologia de terror do começo dos anos 70, ele rapidamente se deu bem com o jovem escritor, que sabia trabalhar com os pontos fortes de Colan, além de envolvê-lo na criação da história. “Ele me dava um roteiro escrito, mas também o discutia comigo pelo telefone”, diz Colan. “Eu fazia perguntas e mais perguntas, ao invés de deixá-lo achando que eu tinha entendido tudo.”

Wolfman estava honrado em trabalhar com Colan. “Havia mágica no trabalho de Gene em Tomb of Dracula, algo que eu acho que nem mesmo ele entendia”, diz Wolfman. “Ele podia fazer coisas de super-heróis – ele certamente provou isso com Daredevil, Iron Man e todos os outros – mas ele se achou completamente em TOD, de uma maneira que nem mesmo ele podia imaginar.”

Os leitores certamente adoravam o trabalho de Wolfman e Colan, e TOD rapidamente foi promovido ao status de título mensal. E para os observadores que estavam mais perto, como Adrienne Colan, a sinergia Wolfman/Colan era evidente desde o primeiro dia. “Era muito claro que Marv se preocupava com a escrita, da mesma forma que Gene se preocupava com a arte”, lembra Adrienne. E isso, com certeza, era a ligação mais poderosa entre eles.

Uma ligação que, certamente,  geraria uma das mais importantes e impressionantes passagens dos quadrinhos.


Serviço

Tomb of Dracula teve várias publicações nos EUA, a última delas sendo três Omnibus coloridos entre 2008 e 2011. Também saíram quatro Essentials, em preto e branco, entre 2004 e 2005.

No Brasil, Tomb of Dracula foi publicada pela última vez pela Editora Abril, com o título Terror de Drácula, décadas atrás.

A Panini prometeu a publicação de um volume ainda em outubro, reunindo os primeiros cinco números.

Quem se interessar na Back Issue, revistas sobre quadrinhos das Eras de Prata e (principalmente) Bronze, podem adquirir os números no site da editora:


http://twomorrows.com/








quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Olhai! Eu vos mostro o super-homem... Kimota!




A história editorial de Marvelman é possivelmente uma das mais conturbadas de toda a indústria. O personagem inglês começou como uma alternativa criada por Mick Anglo, artista e escritor, para a editora C. Miller & Sons, que republicava em preto e branco as histórias do Capitão Marvel na Inglaterra. Em 1953, tais histórias simplesmente deixaram de aparecer graças ao famoso processo movido pela National  (hoje DC Comics) contra a Fawcett, com a alegação de que o Capitão Marvel se parecia muito com o personagem principal da editora, o Superman.

O Capitão Marvel era extremamente popular nos dois lados do oceano. A C. Miller & Sons não podia se dar ao luxo de ficar sem aquelas histórias. Então, em 1954, Anglo teve a ideia de “criar” um personagem parecido o suficiente para satisfazer os leitores. As mudanças foram, para dizer o mínimo, cosméticas. Por exemplo, não era o menino Billy Batson que com a sua palavra mágica SHAZAM se tornava o mortal mais poderoso da terra, mas sim Mike Moran (aliteração proposital) que gritava “KIMOTA!” (algo como “atomic” ao contrário). E a origem de seus poderes parecia ser de origem científica, ou pelo menos o que a percepção leiga da época, acostumada com os pulps (muitos deles de qualidade duvidosa), achava que era científico.

Marvelman foi publicado até 1963. O interesse por ele passou. Os meninos cresceram. E a Marvel  Comics estava tomando o mundo de assalto. Inclusive a Inglaterra. Mas ele ficou na mente de um garoto de imaginação fértil que havia lido o personagem em sua infância: Alan Moore.

Em 1982, uma nova revista estava surgindo na Inglaterra. A Warrior, que buscava abocanhar os leitores de outra instituição britânica, a 2000 AD, a revista semanal de ficção científica e fantasia. Moore, já adulto, foi responsável por dois projetos. O primeiro era V for Vendetta, que falava sobre um futuro próximo distópico mergulhado em um estado fascista. O outro era Marvelman.

Moore declarou que desde que ele tinha lido Marvelman quando criança, ele pensou em usá-lo em uma história cômica, nos moldes do “Superduperman”, a famosa paródia de Harvey Kurtzman  e Wally Wood para a Mad, ainda na década de 50. Ele disse que seria interessante mostrar Moran já adulto, não se lembrando da palavra mágica que o transformava.

Quando lançou a Warrior, o editor Dez Skinn tinha decido desde o início a trazer Miracleman de volta. O polêmico Skinn, considerado por muitos o “Stan Lee britânico” já havia trabalhado como diretor editorial  na Marvel UK (a divisão inglesa da Marvel) e por um tempo fez que ela saísse do buraco que se encontrava. E fez que ele estabelecesse contato com vários artistas que acabaram por trabalhar na Warrior. Um deles era Alan Moore.

Mas Alan Moore não foi a primeira opção de Skinn. Ele queria Steve Parkhouse ou outro Moore, Steve (nenhum parentesco com Alan). Ambos declinaram, mas Steve disse que seu amigo Alan adoraria escrever a série. Skinn concordou e pediu um projeto para a série. Os desenhistas, para Skinn, deveriam ser ou Dave Gibbons ou Brian Bolland, mas ambos recusaram. Finalmente, a contragosto de Skinn, Gary Leach foi escalado (e logo substituído por Alan Davis).



Quando Moore finalmente pôs as suas mãos no personagem, a ideia da comédia foi rapidamente esquecida e ele transformaria Marvelman em um dos quadrinhos mais sérios, violentos e seminais da década de oitenta. E possivelmente de todos os tempos.

Em Warrior 1, de Março de 1982, somos apresentados a um Mike Moran adulto, casado e com terríveis dores de cabeça. Tendo pesadelos recorrentes e incapaz de lembrar  de uma palavra que o atormentava durante o sono.  Trabalhando como um repórter freelancer, durante um ataque terrorista a uma usina nuclear ele vê a palavra “Atomic” escrita em uma janela e a palavra volta a sua mente. E Marvelman está mais uma vez no mundo. Ele lembra que ele e seus companheiros foram pegos em uma explosão atômica e isso fez que ele se esquecesse de quem era, esquecesse toda a sua carreira passada de super-herói.

Na verdade, esse cenário é apenas a desculpa para Moore analisar alguns temas que depois ele trabalharia em várias outras de suas obras. O fascínio com o conceito quase fascista do super-herói, a ideia de um vilão simpático aos leitores e doses cavalares de niilismo.

Marvelman foi publicado em preto e branco nas páginas da Warrior desde o seu primeiro número até o último, o vinte e seis. Infelizmente a revista foi cancelada e Moore deixou inacabado tanto V for Vendetta quanto Marvelman. Mas seu trabalho na Warrior e na 2000 AD havia feito que várias  antenas se virasse para a Inglaterra. Moore foi o primeiro de uma leva de autores que começou a trabalhar nos Estados Unidos, a famosa “Invasão Britânica”.

Em 1983 ele foi contratado por Len Wein para escrever o título terciário Saga of the Swamp Thing, com um personagem que nem de longe inspirava simpatia. O título era, para ser gentil, apenas formulaico. O run de Moore é um dos mais emblemáticos do personagem e lançou sementes (sem trocadilho) para o futuro selo adultas da editora, a Vertigo.

Swamp Thing abriu caminho para Watchmen, considerado por muitos,  um dos melhores quadrinhos já criados. E fez que a DC desse continuidade a V for Vendetta, primeiro colorizando e reimprimindo o material que tinha sido publicado pela Warrior e depois encomendando a Moore e ao artista David Lloyd a sua conclusão.

Eram favas contadas até que a outra “obra perdida” de Moore aparecesse nos Estados Unidos. Marvelman, batizado agora como "Miracleman" (e assim evitar problemas legais com a Marvel Comics) foi, a exemplo de V for Vendetta, colorizado e começou a ser publicado. Não pela DC, mas sim pela pequena Eclipse Comics em 1985.




Dessa forma, Moore pode continuar e finalizar a história que havia começado na Warrior anos antes. Ele escreveu Miracleman até o arco “Olympus” que terminou no décimo sexto número da Eclipse. E se algumas coisas que ele tinha feito na história ainda na Inglaterra haviam chocado muita gente, ele fez ainda mais. Muito mais mesmo.

Moore, depois de encerrar a sua participação no personagem passou a incumbência a outro escritor inglês que estava começando nos EUA, Neil Gaiman, que ficaria mais tarde famoso com Sandman. Ele fez um arco completo e iniciou o segundo, escrevendo do 17 ao 24 (e deixando o 25 não publicado). A arte ficou a encargo de Mark Buckingham. Mas a Eclipse faliu e deixou várias séries inconclusas. Entre elas Miracleman.




Em 1996, Todd McFarlane comprou as propriedades da Eclipse incluindo Miracleman. Só que Gaiman dizia ter direitos também. Direitos passados a ele verbalmente por Moore. Gaiman fundou em 2001 a Marvels and Miracles LCC, uma companhia que buscava clarificar os direitos de Miracleman. McFarlane já havia usado os personagens em Hellspawn e Gaiman o processou em 2002.

Mas o balaio de gatos ainda era pior. Skinn, quando começou a série na Warrior não havia comprado os direitos de Mike Anglo. Ou seja, a venda para a Eclipse e a subseqüente compra por McFarlane não tiveram nenhum valor legal, fazendo que de certa forma todo o material publicado tanto pela Warrior quanto pela Eclipse não fossem mais que edições piratas.

Isso fez que a Marvel (e os advogados da companhia que a havia adquirido, a Disney) pudesse negociar os direitos com Anglo diretamente. Tanto que em 2010 lançou um encadernado com as histórias de Anglo. Mas obviamente não eram essas as histórias que a maioria dos leitores queria ver republicadas. E a pedra da vez foi Alan Moore, que depois de brigas homéricas com a DC (sobre Watchmen) não estava nem um pouco interessado em ver suas histórias serem republicadas nos EUA, mesmo que fosse pela Marvel (outra companhia que ele não tinha boas relações, desde a época que fez o Capitão Bretanha para a Marvel UK).

Finalmente, Moore foi convencido a permitir a publicação desde que seu nome não fosse citado. 

Então em janeiro de 2014 a primeira edição pela Marvel, desenhada por Leach e escrita pelo “escritor original” foi colocada a venda.



Relendo essas histórias depois de tantos anos uma coisa pode ser dita:  elas não envelheceram. Aliás, uma coisa me surpreende: a erudição de um Moore ainda jovem. E ele, desde início (como lhe é costumeiro, diga-se de passagem), joga limpo com o leitor. Iniciar a sua história com a citação de Nietzsche em “Also Sprach Zarathustra” é a prova disso.

“Behold, I give you the superman” ... Esse é o mote de toda da série. Ele todos os conceitos aparentemente sem noção e ridículos de Anglo e os explora e explica sob a luz de Nietzsche. Para Moore, existia uma lógica no estranho e colorido mundo dos super-heróis.

Em minha opinião, Miracleman foi o laboratório para as suas grandes séries posteriores, como Watchmen e Swamp Thing. Em Swamp Thing, em apenas um número ( o 21, “Anatomy Lesson”) ele desconstrói  toda a história do personagem. Aquela única edição é muito mais relevante que toda a fase de Len Wein e Bernie Wrightson.

Aliás, os paralelos entre “Anatomy Lesson” e todo o Miracleman são muitos. Mas o principal é que até a fase de Wein, o Monstro do Pântano era um ser humano que havia se transformado em uma planta. Moore determinou que na verdade era uma planta que pensava que era um ser humano. Mike Moran é induzido a pensar que era uma coisa, mas a verdade não é bem essa. E qualquer coisa mais que escreva aqui será um spoiler BEM grande, então...

A primeira edição da Marvel está extremamente agradável aos olhos, com novas cores e transferência de arte diretamente da Warrior, feitas por Steve Oliff. E vários extras, como uma entrevista conduzida pelo CEO da Marvel, Joe Quesada (e autor de uma das múltiplas capas variantes dessa edição), com Anglo, pouco antes de seu falecimento.




Bem, quem não leu a série no início dos anos oitenta tem agora outra chance. Não desperdicem. 

Serviço

O Miracleman de Moore teve quatro edições publicadas no Brasil pela Editora Tannos, entre 1989 e 1990. 

A Marvel continua publicando a série mensalmente e já lançou o primeiro encadernado em capa dura, A Dream of Flying

A Panini Comics informou que pretende publicar a série no Brasil, ainda em 2014. 

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

O Quarto Mundo de Jack Kirby



“A mistura de gíria e mito, ficção científica e a Bíblia, fez que o Quarto Mundo de Jack Kirby fosse um tanto cerebral demais, mas a sua visão permaneceu”. Essas palavras foram escritas pelo historiador Les Daniels em DC Comics: Sixty Years of the World’s Favorite Comic Book Heroes, de 1995.
Ele estava certo. Toda a meta-série que mais tarde ganhou o nome de Quarto Mundo usou idéias e conceitos que estavam muito a frente de seu tempo. E o legado de dessas idéias permaneceu, permeando o Universo DC como um todo.

Mas esse trabalho de Kirby, que hoje tem o status de cult, não teve uma aceitação imediata. Pelo contrário. Como disse Daniels, era “cerebral” demais. Não encontrou público suficiente para se tornar uma série de sucesso e foi podada sem piedade, não permitindo que Kirby desse a versão definitiva de sua própria história.

As histórias desses novos deuses é operática, com a eterna luta entre o Bem (representado por Nova Gênese) e  o Mal  (Apokolips). O senhor sombrio de Apokolips, Darkseid, busca a “equação anti-vida”, que o permitiria controlar os pensamentos de todas as pessoas. Seu filho, Orion, que foi criado em Nova Gênese, tenta derrotá-lo, em um embate com tons totalmente freudianos. Além de Orion, outros personagens entram no conflito, como o Forever People, que simplesmente é uma versão super-poderosa das gangues adolescentes que apareceram em diversos pontos do trabalho de Kirby. Mister Miracle também está no conflito, nascido em Nova Gênese e criado em Apokolips no lugar de Orion, história contada na belíssima “The Pact”, em New Gods 7 (1971). E até mesmo o Superman e Jimmy Olsen. E a Legião dos Jornaleiros e o Guardião, que foram criações de Joe Simon e do próprio Kirby em 1942.

Kirby criou os Novos Deuses enquanto ainda estava na Marvel e fazia as histórias back-up de cinco páginas publicadas em Thor, chamadas de “Tales of Asgard” e como o nome dizia, mostrava as histórias da mitologia nórdica. Essas histórias foram quase todas escritas pelo próprio Kirby. Esse fascínio pela mitologia fez que ele quisesse dar o passo seguinte, mostrar o Ragnarok e acabar com todo o panteão em Thor. Obviamente, isso não lhe foi permitido. E é claro, Odin (através de Stan Lee) consegue dar um jeito de derrotar Surtur e manter a lucrativa franquia.

É muito claro que os Novos Deuses é a continuação direta de Thor, apesar de tal fato não ter sido admitido oficialmente nem por Kirby nem (como obviamente não poderia deixar de ser) pela Marvel. Mas já na primeira página de New Gods 1, é mostrada uma batalha entre os velhos deuses e é impossível não ver Asgard lá. Na verdade, a página tem a palavra “Epílogo”. O epílogo é de Thor 177 (1970) a penúltima edição de Kirby no título antes de mudar para a DC. 




Em Forever People 5  é mostrado o elmo de Thor, examinado pelo jovem deus Lonar em uma visita a terra dos velhos deuses. É como uma declaração: “Essa é a continuação do que comecei lá... É o queria fazer... Matar os deuses antigos e criar novos”.




Quando ele resolveu sair da Marvel, imagino que o golpe foi grande.  E a DC sabia disso. Logo Jimmy Olsen Superman's Pal  133 (o título que ele aceitou escrever e desenhar em troca dos outros três)  chegava às bancas com um “Kirby is here!” (“Kirby está aqui”) na capa. A expectativa de ver um dos artífices do Universo Marvel que tanto incomodou a companhia na década anterior foi muito grande. E, em minha opinião, aí que estava o problema. Leitores e (principalmente) editores estavam esperando um novo Fantastic Four, algo dentro do que eles estavam acostumados. Kirby lhes deu o Quarto Mundo, uma meta-série que trazia três novos títulos (The New Gods, Forever People e Mister Miracle) e uma renovação enorme em outro que tinha se tornado algo apático (Jimmy Olsen). Uma mistura de cosmogonia, filosofia, religião e muito mais que apenas um aceno para a florescente geração hippie.  Ou como Grant Morrison escreveu na sua introdução para o primeiro Omnibus de Jack Kirby’s Fourth World: “Os dramas de Kirby são encenados em um teatro jungiano  com paisagens de simbolismo cru e fúria...”








Além do conceito de meta-série, várias séries que se sobrepõe para contar uma história maior, outra ideia de Kirby era que o Quarto Mundo era para ser uma série finita. Com começo, meio e fim, que seria publicada durante meses e depois colecionada em um único volume. De certa maneira ele simplesmente previu o advento dos trade paperbacks e uma indústria que hoje se preocupa em criar histórias em seis partes que caibam exatamente no formato.

Como disse, ele não conseguiu ver isso, pois as vendas não alcançaram os patamares estipulados (sejam lá quais tenham sido) e os títulos pereceram.  Foram publicados entre 1970 e 1973, e em 1976 Kirby abandona a DC e volta para a Marvel para uma curta passagem (até 1978).

Não seria o fim, é claro. Os conceitos eram bons demais para serem abandonados. E a DC tentou capitalizar. Ainda que esporadicamente, os personagens do Quarto Mundo apareceram em títulos da editora durante a década de 70. Em 1976, no último número de 1st Issue Special temos “The Return of the New Gods”, de Gerry Conway e Denny O’Neil, com a arte de Mike Vosburg.  E em 1977, a DC lança uma nova série (agora com a arte de Don Newton, continuando a numeração de onde Kirby tinha parado, o número 12). Essa nova série durou oito números, sendo cancelada no número 19 (1978). A história foi concluída em dois números da Adventure Comics (459 e 460).





Mister Miracle apareceu em três números da The Brave and the Bold, em encontros com o Batman e uma vez em DC Comics Presents, com o Superman.  E depois de um hiato de três anos seu título voltaria no número 19 (1977), também continuando a numeração de Kirby, escrito por Steve Englehart e belamente ilustrado por Marshall Rogers. O título foi cancelado no número 25, graças a DC Implosion. Os últimos três números foram escritos por Steve Gerber com a arte de Michael Golden, e a história nunca foi concluída.







No início dos anos 80, os Novos Deuses apareceram em um dos tradicionais encontros da Liga com a Sociedade da Justiça (Justice League of America 183-185), com as duas últimas partes desenhadas por George Pérez que viria assumir o título depois da morte de Dick Dillin. E, é claro, Darkseid é o vilão de “The Great Darkness Saga”, em Legion of Super-heroes 290 a 294.




Em 1984 a DC resolveu republicar os 11 números originais de New Gods, em seis edições em papel baxter, mais luxuoso. Eles chamaram Kirby para fazer as capas duplas e mais uma história para concluir a série. É. Teoricamente seria a sua versão final, o coda para a sua saga. Kirby queria que tanto Darkseid quanto Orion morressem em combate. Obviamente, isso foi vetado. Em seguida Kirby propôs “The Road to Armagetto”, que foi rejeitada também. Kirby então escreveu e desenhou “Even Gods Must Die”, uma nova história de 48 páginas que foi publicada no sexto número da reedição. Na verdade, a história funcionaria como um prólogo para “The Hunger Dogs”, a quarta DC Graphic Novel (1985), que incorporava páginas de “The Road to Armagetto” e nova arte, totalmente remontada. Essa graphic novel sofreu uma pesada interferência editorial. Afinal de contas, os personagens do Quarto Mundo ainda eram interessantes e não poderiam ter uma solução “definitiva” (i.e. a morte dos protagonistas como Kirby queria). O que Kirby desejava fazer em Thor, anos antes, e não lhe foi permitido se repetiu mais uma vez. Com os SEUS personagens.  É impossível não ver a ironia aqui.






O legado do Quarto Mundo de Kirby continuou. Da volta do título dos Novos Deuses no final dos anos 80 e 90 (suas terceira e quartas séries) até a Odisséia Cósmica, de Starlin e Mignola. Byrne escrevendo e desenhando Jack Kirby’s Fourth World, que foi substituído por Orion, de Walt Simonson. Grant Morrison usando profusamente os conceitos em JLA e Seven Soldiers e depois em Final Crisis, que mostra o fim do Quarto Mundo e o início do Quinto, coisa preconizada pelo novo deus  Metron em JLA anos antes no arco "World War III" : “Assim como Nova Gênese é o Quarto Mundo a Terra será o Quinto”.

Morrison, pela boca de Metron, também diz em um arco anterior da mesma JLA, “Rock of Ages”:

“Como você parecem crianças para mim. Como sua compreensão é pequena e ainda assim... Há uma semente em vocês... Os Velhos Deuses morreram e deram origem aos Novos. Os Novos Deuses, até mesmo eu, devem passar quando chegar a nossa hora. Nossa busca foi longa e nossa guerra continua, mas nós encontramos o berço planetário dos Deuses que Virão... Vocês são os seus precursores.”


Então é esse o conceito básico do Quarto Mundo: algo cíclico, embebido do pathos. E Kirby nos deu tudo isso ainda no início da década de setenta do século passado. 


Serviço


A DC lançou quatro Omnibus com todas as histórias do Quarto Mundo de Kirby em ordem de publicação, entre 2007 e 2008, em capa dura.  E entre 2011 e 2012, relançou-os em capa mole. 






sexta-feira, 10 de outubro de 2014

A Saga das Trevas Eternas





Desde que foi criada em 1958 (em Adventure Comics 247) por Otto Binder e Al Plastino para uma aventura com o Superboy, a Legião dos Super-heróis ganhou um culto quase que imediato. Afinal de contas, os leitores podiam se identificar com um grupo de heróis que, apesar de serem super poderosos, tinham a mesma idade que eles. Eram adolescentes, em um “clube” não muito diferente dos tantos que existiam na América dos anos 50.

A Legião é, sem dúvida, um dos mais duradouros legados da Era Weisinger e teve grandes escritores e artistas desde a sua primeira aparição. Um deles foi Paul Levitz, fã de longa data,  que começou a trabalhar no título ainda na primeira metade dos anos setenta e voltou de vez no início dos oitenta, juntamente com o artista Keith Giffen. Eles usaram um novo enfoque no grupo, mostrando muito mais que apenas aventuras heroicas. Eles exploraram como ninguém antes as relações interpessoais e se aprofundaram nos personagens.

É claro, o sucesso de qualquer obra de ficção é fazer que o leitor se preocupe com o personagem que está lendo e Levitz teve isso em mente o tempo todo em que escreveu a Legião. Não é errado, creio, afirmar que a sua versão da Legião dos Super-heróis tem muito da dinâmica das soap operas (novelas). E não uso isso de forma derrogatória.

Na fase do menino prodígio Jim Shooter, nos anos sessenta, apesar de existir uma tênue linha cronológica ligando história a história, você podia iniciar a sua leitura virtualmente em qualquer um de seus números. Parênteses aqui: Mais tarde, quando já era adulto e o poderoso editor-chefe da Marvel, Shooter declarou que qualquer edição seria a primeira para algum leitor. E que tais edições deveriam ser, no mínimo, reader’s friendly. Ele, é claro, tinha uma certa dose de razão, apesar de tal política muitas vezes engessar tanto a história quanto o escritor.

Bem, a Legião de Levitz é TUDO menos isso. Ele fez questão de criar plotlines e arcos que foram se desenvolvendo durante várias edições. A sua Legião parecia sair de um perigo para cair em outro, seguindo a linha de todo quadrinho de super-herói, mas, de novo, com muito sendo mostrado sobre a vida particular dos personagens e as tais relações interpessoais que falei aí em cima.

Um fato importante é que, desde o início dos anos setenta eles já não eram tratados mais como adolescentes, mas sim como jovens adultos. E Levitz usou isso ao máximo.

Um exemplo: o casamento de Lightning Lad e Saturn Girl estava em frangalhos após ela ter ficado presa em um planeta inóspito em uma missão... e ter sido pega em uma posição comprometedora com Timber Wolf. Pega por ninguém menos que Light Lass, sua cunhada E a namorada de Timber Wolf. A ideia de atração e (sim, por que não?) pelo menos o desejo de sexo existia. Não era mais a Legião dos anos sessenta, com certeza.  Tudo isso e uma série de problemas médicos fizeram que Lightning Lad se afastasse do cargo de líder e uma eleição fosse disputada por Element Lad, Ultra Boy e Dream Girl, com a vitória dessa última, considerada a cabeça de vento do grupo. A estrutura interna da Legião estava em frangalhos, pode se dizer.

E é assim que, com todos esses problemas, se inicia o arco mais famoso de Levitz e Giffen no título, “The Great Darkness Saga” (A Saga das Trevas Eternas aqui no Brasil), publicada originalmente em Legion of Super-Heroes vol. 2, #290–294  (1982). Um arco que coloca como antagonista ninguém menos que Darkseid, o über vilão de Jack Kirby. Darkseid estava sumido por cerca de mil anos e quase completamente esquecido. Usando tanto mágica quanto ciência, ele cria clones, versões distorcidas de grandes heróis do passado, como Orion, um Guardião de Ao e até mesmo do Superman. Com poderes aumentados, ele transporta Daxam para onde ficava Apokolips, sob um sol amarelo. Dentro dos cânones da Legião, Daxam é uma colônia perdida de Krypton e isso faz que seus habitantes desenvolvam poderes iguais ao do Superboy. Um exército de bilhões de pessoas super poderosas sob o comando mental de Darkseid. Que, como não poderia deixar de ser, é derrotado no final, por seu maior inimigo... Vindo de Nova Gênese.





Mas devemos contextualizar algo. “The Great Darkness Saga” colocou Darkseid como o grande antagonista do Universo DC. Coisa que antes, bem, não era. Era, para muitas pessoas, mais uma das “excentricidades” de Kirby.







Após o projeto do Quarto Mundo ter sido cancelado, Darkseid voltaria a aparecer em New Gods 13 (1977, continuando a numeração original da série de Kirby). Essa nova (e curta) fase tinha o roteiro de Gerry Conway e os desenhos de Al Milgron e é totalmente esquecível.

Darkseid apareceu ainda em Super-team Family 15 (1978, o último número da série), em Adventure Comics 459-460 (1978) e no arco “Crisis Between Two Earths”, em Justice League of America 183-185 (1980), um dos tradicionais encontros anuais do título com as terras paralelas.

E foi basicamente isso. Ele era um personagem secundário, mais uma das tantas coisas estranhas da DC dos anos setenta. Não havia diferença entre ele, por exemplo, e Brother Power, The Geek. Personagens destinados a habitar o limbo e, de vez em quando, ser espanados e usados.





Com “The Great Darkness Saga”, o potencial enorme de Darkseid foi de novo redescoberto e nos anos seguintes ele foi cada vez mais usado dentro da editora. Afinal de contas, ele era um personagem muito bom para não ser usado. E voltou em uma história paradoxalmente se passando mil anos no futuro. Se a passagem de Levitz e Giffen pela Legião tivesse nos dado apenas isso, já seria um lucro enorme. Mas tem muito mais, muito mais mesmo. Mas esse é um papo para outra hora.



Serviço:

The Great Darkness Saga foi publicada aqui no Brasil duas vezes, primeiro em Superpowers 1 (Editora Abril, 1986) e depois encadernada em 2008 pela Panini.


A DC lançou em 2010 um hard cover da linha De Luxe (em formato maior) e altamente recomendado.