Prata e Bronze

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

“Na minha época era melhor”




“Na minha época era melhor”. É comum lermos isso em grupos de discussão e fóruns sobre quadrinhos internet afora. Lembranças de tempos de leite e mel, onde tudo era melhor, tudo era colorido. Será? Existe algo que chamamos de “memória afetiva”, que nos faz enxergar através das lentes cor-de-rosa do saudosismo. Nostalgia é um sentimento maravilhoso, mas nem sempre as coisas do “meu tempo” eram melhores.  

Algo estranho para ser dito em um lugar chamado “Prata e Bronze”, não é? Um blog que teoricamente se dedica a histórias em quadrinhos das décadas de 50 a 80. Sim. E não. MINHA memória afetiva  (sim, é claro, eu também a tenho) guarda um enorme carinho pelos conceitos, personagens e situações das histórias que li quando criança. É algo normal. Mas não significa que acho que TUDO que foi publicado naquela época é irrepreensível, acima de qualquer crítica... pela única razão de, bem, “na minha época era melhor”.
O importante, por mais óbvio que pareça, é ter senso crítico suficiente para saber (ou admitir) que mesmo fazendo parte de sua infância, pode não ser exatamente algo beirando uma obra de arte, um Shakespeare ilustrado por Michelangelo.

Ok. É gosto. Você pode gostar de absolutamente o que quiser. Você pode gostar de sorvete de jiló com bacon. Não existe mal algum nisso.

Algo que realmente me espanta é a quantidade de leitores que guardam e acumulam edições como figurinhas, histórias lidas muitas e muitas vezes, torcendo o nariz para qualquer coisa moderna. Que  acham que apenas o que gostam é importante, desprezando e rejeitando todo o resto.  Sem dano maior até aí. Apenas para os próprios. Cada um vive no mundo que escolheu. Mas existem casos piores. Alguns desses “fãs” tentam “catequizar” todos nesse gosto. .. Gosto que, mais uma vez, é afetado pelas róseas lentes da memória afetiva.

É impossível não tropeçar em comentários e/ou postagens dessas pessoas desancando coisas que eles nem mesmo leram, simplesmente porque não está no time frame, na sua caixinha sagrada da infância. Alguns até tentam, mas o preconceito é tão grande que não percebem que o que eles têm em mãos é uma VERSÃO de algo. Como tantas outras já feitas. Uma visão dos autores de um personagem. Eles querem ver pela enésima vez o Homem Aranha de Steve Ditko. Ou que alguém mimetize o próprio.  Não querem, nem de graça, ler a versão de Dan Slott do personagem... “No meu tempo, NUNCA deixariam o Doutor Octopus trocar de corpo com o Aranha! Sacrilégio!”


Não entendem que não existe problema em gostar dos dois e não importa que (de novo) versão do personagem seja feita, ainda teremos todas as edições de Ditko. E a de John Romita. E todas as outras. Aliás, adoro o Homem Aranha de Ditko, ele é, PARA MIM o melhor. Mas somente ela presta? É claro que não.

Sou um fã que adora a produção dos quadrinhos americanos das Eras de Prata e de Bronze. . Mas não só isso. Quadrinhos são uma mídia (e principalmente naquela época) de tentativas e erro. Existem histórias muito boas. Outras nem tanto. E outras ainda simplesmente ruins. Acontece. E essa afirmação é válida para TODAS as Eras.

Outra coisa que esses “fãs” não percebem é que várias histórias envelheceram mal. Um exemplo da Era de Bronze: O famoso arco em Avengers 89 a 97 (1971-1972), a Guerra Kree-Skrull, escrita por Roy Thomas. Relendo a história depois de anos a percebi  verborrágica. Com um passo lento. Derivativa. E um dos piores deus ex machina que tenho notícia, com Roy Thomas usando a história para trabalhar com os personagens obscuros da Era de Ouro, que sempre gostou.


Isso significa que não gosto da história? É claro que não. Continuo a adorando pelo que ela é. Mas a idade me fez perceber esses detalhes. Que Thomas usou This Island Earth, um livro  de ficção científica dos anos cinqüenta como base. Ei, ainda acho espetacular o Homem Formiga passeando por dentro do Visão (obviamente Thomas assistiu Viagem Fantástica também) e os desenhos de Neal Adams continuam lindos. Mas não vou dizer que é a melhor coisa que li só porque tive contato com ela quando era criança. É meu sorvete de jiló com bacon, talvez com um molho de cereja. Que sei que não posso empurrar goela abaixo de todos.

Cheguei, depois de certo tempo, a conclusão que “fãs” que tentam fazer isso não são fãs das histórias. São fãs de sua infância. Que não permitem (nem SE permitem) outras idéias, versões ou enfoques das coisas que são caras para eles.  Esquecendo que sempre haverá outras gerações, outros fãs.
Então, é isso basicamente o que é o blog. Uma tentativa de análise destas maravilhosas (ou nem tanto) histórias e personagens das Eras de Prata e Bronze. Sem catequizar. Sem dizer que “no meu tempo era melhor”. Somente lembrando esses sonhos de quatro cores que se renovam todo mês nas bancas de todo o mundo.

O sorvete está pronto... Deixem-me fritar o bacon. 

2 comentários:

  1. sabe eu peguei a fase do homem aranha do uniforme simbionte quando comecei a ler,mas ai eu fui voltar a reler as historias do tempo do Steve Ditko e eram muito melhores e mais humanas tirando aquela historia do garoto que era fã do homem aranha essa sim é a melhor historia dele

    O que o homem aranha tem de especial é isso,ser um cara normal com problemas normais,ser um cara meio rejeitado mas que tem bom coração e tenta ajudar as pessoas,o stan lee falou que o personagem foi inspirado no proprio Ditko uma vez tanto que quando o Ditko saiu e entrou outro desenhista o homem aranha mudou,do nada ficou mais descolado e pegador

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    1. Não existe mal nenhum em voltar e ler as histórias antigas. Ei, é uma das melhores coisas que podem ser feitas se você realmente gosta de um personagem, perceber a sua evolução, ver outras versões do mesmo. É extremamente salutar. O negócio é que tem gente que fica presa, tanto de um lado quanto outro, e não quer sair da sua zona de conforto. Você fez a coisa certa, Questão. Começou em uma época e voltou. O mesmo deveria ser feito por muitos.... Não ficar apenas no passado. Abraços.

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